quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O homem é um ser cultural (ou "Nada se copia, tudo se cria")

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará

A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito

Como uma onda (Lulu Santos e Nelson Motta)
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Nós (homens) somos seres NATURAIS. Para sobrevivermos e satisfazermos as nossas carências (alimentação, abrigo, afeto, reconhecimento, etc), e nos perpetuar enquanto espécie, precisamos nos relacionar com a natureza. Mas esta relação é diferente da que os outros animais realizam. Estes, por serem determinados biologicamente, agem presos ao “aqui agora”. As nossas ações, por outro lado, são UNIVERSAIS, ou seja, ultrapassam as condições que nos são dadas, pois não estão limitadas às necessidades atuais e momentâneas.

O que recebemos dos nossos antepassados e aprendemos na interação com o mundo transmitimos para as gerações subsequentes, permitindo-lhes que não partam do “zero”. Assim, gradativamente, “humanizamos” a natureza numa relação dialética, posto que ao alterá-la, modificamo-nos também, num processo infinito de interdependência que podemos denominar de PROCESSO DE PRODUÇÃO DA EXISTÊNCIA HUMANA. Esse processo é social, visto que não é um único homem que o realiza, mas todos nós enquanto espécie; e, embora na base das relações que estabelecemos com a natureza esteja o TRABALHO, também criamos IDEIAS e os mecanismos para as suas elaborações. Dentre as idéias criadas, parte delas constitui o conhecimento referente ao mundo, tais como a Ciência, Filosofia, Mito/Religião, Arte e Senso Comum.

Mas não é a simples carência que possuímos, enquanto seres biológicos, psicológicos, sociais e espirituais, que nos torna capazes de CONHECIMENTO. É preciso o concurso de certas faculdades ou atributos para que a nossa ação, neste mundo, seja diferenciada. Nesse contexto, a RAZÃO e a MEMÓRIA desempenham um papel fundamental ao permitirem que organizemos os nossos pensamentos e possamos nos expressar por meio de símbolos (linguagem conceitual). Dessa forma, criamos outra dimensão de existência: a ABSTRATA ou TEÓRICA, onde situamos os fatos da vida no tempo (passado, presente e futuro) e no espaço, instituindo a história.

Somos históricos porque construímos a nossa existência a cada momento e de forma singular, imprimindo, na realidade, a indisfarçável marca da nossa mão. Esse PODER que temos de instituir o novo determina a forma peculiar da relação que estabelecemos com a natureza, que, sobretudo, é intencional e planejada. Em outras palavras, agimos CONSCIENTEMENTE, porque sabemos que sabemos.

O resultado da nossa ação consciente e transformadora na natureza, para além do "aqui agora", com vistas à satisfação das nossas carências, chama-se CULTURA.

Dentre as manifestações culturais, a Religião é o tipo de conhecimento (ou teoria) do mundo que tem como pressuposto básico a revelação da “verdade” por meio de um intermediário ou profeta. Mas essa revelação somente tem “valor de verdade” para quem nela acredita (fé), posto que o que é revelado normalmente é atribuído a um ser supremo (Deus) que, por sua possível onipotência, “conhece” os mistérios da natureza. Por ser uma teoria dada (não perquirida), a Religião é, por excelência, caracterizada pelo dogmatismo (embora os demais tipos de conhecimentos também possam ser dogmáticos), pois a sua obtenção não é precedida de um trabalho crítico/investigativo, mas na pacífica crença do que é revelado.  

A Arte por sua vez é uma teoria que tem na liberdade de expressão a sua principal característica. A linguagem, neste caso, não é limitada por normas (como é comum na Ciência e Filosofia), nem possui uma forma pré-estabelecida. Embora o homem também use o discurso racional quando recorre a Arte para falar sobre a natureza, possui na intuição racional o seu ponto forte, visto que, neste caso, não precisa demonstrar o “real”, mas apenas mostrá-lo ou revelá-lo. Com o pensamento artístico o homem pode falar do geral e do particular sem possuir pretensões universais, pois, diferentemente do cientista e filósofo, não está empenhado na obtenção de uma teoria que tenha validade para todos os seres humanos, mas, simplesmente, mostrar como a realidade se revelou.   

Por outro lado, o Senso Comum é o tipo de conhecimento sem o qual, simplesmente, não existiríamos neste mundo. Neste caso o homem pensa a natureza sem o amparo de um método definido (ametódico) e, por esse motivo, não consegue conhecer os fenômenos em suas causas mais intrínsecas (superficial), nem fazer ampliações intelectuais que lhe permita relacionar acontecimentos aparentemente sem nexo (assistemático). Apesar de tudo é um tipo de conhecimento racional da natureza que combina as experiências humanas, do indivíduo e do grupo, permitindo a obtenção de conclusões particulares (que servem apenas para aquele caso) da natureza como se universais (para todos os casos) fossem. Mesmo com essas e outras limitações, é a partir do senso comum que o homem elabora as formas mais sofisticadas de conhecimento (filosofia e Ciência), visto que muitas conclusões empíricas são o ponto de partida para a reflexão filosófica e/ou pesquisa científica.

A Ciência, como foi dito, parte do Senso Comum, mas logo se diferencia dele pelo MÉTODO e pela “validade universal” de suas proposições. Aliás, se o homem não elaborar, neste caso, um discurso universalmente válido não estaremos no âmbito do conhecimento científico. Mas para ser um conhecimento que vai das raízes (causas) aos efeitos mais gerais dos fenômenos, referindo-se a um número significativo de casos semelhantes, o método científico não pode ser aplicado a todo e qualquer acontecimento, mas apenas aqueles que podem ser mensurados (quantificados) e submetidos à experimentação e que possam, de alguma forma, ser passíveis de verificação por um número significativo de pesquisadores (comunidade científica). A maior precisão científica, com relação aos outros tipos de conhecimentos, depende do método (com emprego da matemática e instrumentos que tornam a observação mais precisa) e da forma circunscrita como aborda o seu objeto de estudo, posto que a ciência é um olhar bem limitado ou restrito da realidade. O todo, nesse sentido, jamais será objeto da Ciência, mas apenas uma parcela bem delimitada da natureza, exatamente aquela que pode receber tratamento científico.

Por fim, a Filosofia, como a Ciência, é um conhecimento racional da natureza que também possui pretensões universais, porém é sistemática na forma de abordar o seu objeto de estudo, pois não abdica ao direito de compreendê-lo sempre a partir do contexto (sociológico, histórico, econômico, político, etc.) no qual está inserido. A Ciência é sistemática com relação a um mesmo objeto; a Filosofia, com relação a objetos distintos. Filosofar é reunir de forma rigorosa (linguagem técnica) o saber fragmentado da Ciência e dos demais campos do conhecimento a fim de garantir um tipo de compreensão da realidade que somente é possível quando juntamos as peças do quebra cabeça da natureza. A filosofia é a ilusão do saber interdisciplinar da realidade, para tanto usa a lógica e história como métodos básicos.   
     
É nesse sentido que podemos nos considerar, enquanto capazes de produzir teorias científicas, empíricas, artísticas, religiosas e filosóficas, SERES CULTURAIS.         

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