sexta-feira, 22 de abril de 2011

Dr House, Maquiavel e a Técnica Policial Militar (ou "A vida não é uma teoria")



Em entrevista concedida ao Jornal Liberal 2ª edição, no dia 17 de dezembro de 2009, o tenente coronel PM Sandoval Bittencourt, comandante do Batalhão de Policiamento Tático da Polícia Militar do Estado, afirmou que a guarnição PM que administrou um assalto com refém, ocorrido no mesmo dia, no centro da capital marajoara, agiu corretamente. A ocorrência resultou em duas mortes e cinco feridos. Bittencourt, para sustentar a sua análise, se baseou no que prescreve a técnica policial militar em situações de gerenciamento de crise: conter, estabilizar e negociar.

Não vou, neste artigo, analisar se os policiais observaram (ou não) a técnica PM como afirmou o tenente coronel, mas se os cânones militares devem – ou quando devem – ser cumpridos, em situações reais de conflito. Parto do pressuposto que a atividade policial é de risco, não suicida.

A análise de Bittencourt, como toda análise, parte de um porto seguro. No caso, o referencial é a doutrina que regula a ação policial nessas ocasiões. Se o oficial fosse um advogado, buscaria amparo teórico em alguma lei, doutrina, jurisprudência ou até em outros ordenamentos jurídicos pátrios. Assim o pensamento opera, no dia a dia, quando analisamos algo. Dizemos que uma mulher é bela porque temos um pressuposto de beleza que orienta a nossa avaliação. É como as formas perfeitas platônicas que estão no mundo das idéias, a partir das quais reconhecemos as imperfeitas que estão no mundo sensível. Por isso é difícil refutar alguém que tenha alguma habilidade com as palavras. A teoria justifica a própria teoria.

Mas quando falamos na conduta humana, podemos nos socorrer de "outros olhares" sobre a mesma questão. Maquiavel, por exemplo, - que para alguns é o maior pensador ético de todos os tempos – não se aferrava a princípios, normas ou valores quando examinava a ação. O RESULTADO é que o vale. O filósofo não desprezava os “modelos” reguladores do comportamento, mas, concomitantemente, não se sentia preso a eles. O caso concreto deve “determinar” a forma de agir.

O que importava para Maquiavel era a capacidade do homem em superar as adversidades (Fortuna). Essa qualidade o filósofo chamou de VIRTÚ - não devemos confundir com a palavra virtude, no sentido da moral profana ou cristã –, que é a qualidade de quem é viril e assume as rédeas da ação, logo capaz de superar os imprevistos que determinam os acontecimentos do dia a dia. Como o resultado é o que interessa, pouco importa a observância às regras ou princípios absolutos cristãos ou profanos.

Partindo desses pressupostos, não é difícil supor que, pelo trágico desfecho da ocorrência policial, Maquiavel diria que a guarnição PM errou na ação e Bittencourt, na análise. Afinal, duas pessoas morreram e cinco saíram feridas.

Antes de qualquer coisa, para o filósofo florentino, é preciso determinar o fim que se quer alcançar. Em seguida, empregar todos os meios disponíveis, que a razão é capaz de prescrever, para alcançá-lo. É permitido, se for necessário, utilizar meios considerados ilícitos e imorais para atingir o objetivo estabelecido.

Na ação policial em exame qual deveria ser a prioridade a ser perquirida? Penso que o bem maior é a preservação da integridade física da refém, dos policiais e demais pessoas envolvidas na ocorrência. Depois, se fosse possível, dever-se-ia prender os meliantes. Nesse caso, a estratégia policial deveria visar esse resultado, mesmo que precisasse desobedecer a preceitos da Técnica Policial Militar. Toda ação deveria levar em consideração os seus efeitos prováveis. Não nos esqueçamos que uma ação bem intencionada e em consonância com a técnica policial pode produzir conseqüências desastrosas.

O bom agente, para Maquiavel, deve ter sabedoria na ação e adaptar-se aos acontecimentos com os quais se depara, mesmo que precise desprezar a forma convencional de agir.

Penso que um bom exemplo para compreendermos os ensinamentos do mestre florentino reside na arte cinematográficato: Dr House. A série norte americana tem como personagem principal um médico infectologista e nefrologista que diante de casos incomuns elabora excelentes diagnósticos. House ao pesquisar a solução dos intrigantes casos, se necessário, utiliza métodos pouco ortodoxos e até em desacordo com a ética médica. Esses procedimentos controversos causam desconforto e são reprimidos pela direção do hospital, mas, no final, todos se curvam ante os inquestionáveis resultados obtidos pelo médico. House, como prescreveu Maquiavel, não está condicionado ao dogmatismo da sua profissão, mas age como um exímio investigador que, para cada caso concreto, busca a melhor terapia com o objetivo de alcançar o fim proposto: a saúde dos seus pacientes.

House é um médico irreverente como os artistas. Não usa jaleco branco, está sempre com a barba por fazer, toca guitarra, é anti-social e é viciado no medicamento chamado vicodin, com o qual tenta controlar a dor que possui em razão de uma operação mal sucedida em sua perna direita. Esses elementos que compõem a estética da personagem principal da trama evidenciam a tentativa de romper com a estrutura rigorosa e fechada que o senso comum tem do cientista, como alguém que não pode fugir do padrão imaginário que em torno dele é construído.

Apesar de tudo, House não desconsidera os princípios da medicina convencional e consulta sempre que pode o seu único amigo, dr Wilson, quando perquire a solução de um caso. Mas não se furta, quando necessário, em desobedecer aos cânones de sua profissão ao elaborar prescrições excêntricas, impressionando a todos com a velocidade e destreza dos seus diagnósticos, afinal seu compromisso é exclusivamente com o resultado da ação.

Não resta dúvida que o comandante Bittencourt – que é um dos oficiais mais competentes da briosa corporação –, durante a entrevista, agiu como estadista e gestor público ao prolatar o "discurso da normalidade", com o claro fito de defender os interesses do governo, que é o patrão. O oficial, que é doutorando em sociologia, sabe que a ação policial foi equivocada, porque, pelo resultado, não é difícil inferir que o remédio ministrado foi inadequado. Depois que o paciente morre, os responsáveis pelo tratamento nunca admitem que podiam ter feito algo mais para superar a fortuna. Empenam-se em elaborar discursos com o indisfarçável propósito de livrar a própria pele, sem qualquer compromisso com a "verdade" dos fatos. Talvez, por isso, devamos aprender com as divagações do filósofo renascentista e as excentricidades da personagem da teledramaturgia norte americana, a desconfiar de quem, entre a vida e a teoria, se esquece que a primeira sempre será a mais importante.

2 comentários:

  1. Pelo que eu assisto na série o Dr. House não desvenda os casos priorizando o bem estar do paciente, do que ele gosta mesmo é o mistério e a emoção das charadas.

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  2. Mas é essa essência de entender uma natureza como constante. Priorizar não somente uma vida particular recheada de pensamentos, sentimentos, mas deter, conter e tratar doenças, não o paciente enquanto pessoa, até porque no final de tudo o paciente estará curado fisicamente e mais preparado para viver uma vida em diferencial com o que tinha antes...e tudo começou com um mistério..!

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