Platão nasceu em Atenas, em 427 a.C., dois anos depois da morte de Péricles. Viveu a sua idade madura durante o declínio do império ateniense, após a derrota para Esparta na guerra do Peloponeso. Assistiu a ascensão ao poder da “TIRANIA DOS TRINTA”, espécie de governo oligárquico que sucedeu a democracia ateniense.
Nesse ambiente politicamente conturbado, o filósofo construiu a sua “cidade perfeita”, utopia prevista em sua principal obra: “A República”, como instrumento capaz de orientar uma sociedade estável que tende à perfeição. Nesse sentido, Platão propõe a substituição da plutocracia, que reinava na Atenas imperial, por uma sociedade governada pelos melhores homens do seu tempo, em termos de conhecimento e sabedoria.
O raciocínio ético e político do filósofo grego estavam amparados numa psicologia e teoria do conhecimento (epistemologia). Ele concebia a alma humana dividida em três partes (racional, irascível e concupiscente), sem harmonia equitativa entre elas. Cada uma preponderava sobre as outras, de acordo com a função que cada pessoa teria no grupo social a que deveria pertencer, dentro da estrutura de sua cidade perfeita - justa. Partindo dessa premissa, aqueles que fizessem bom uso do intelecto integrariam a classe responsável em governar a cidade, os guardiões, pois seriam capazes de se impor aos apetites e à coragem (do âmbito do sensível) - que são, respectivamente, as características das classes que deveriam ser comandadas: os artesãos e soldados -, praticando as ações necessárias ao bom funcionamento da cidade.
Podemos dizer que a utopia política platônica contempla o que atualmente chamamos de MERITOCRACIA, isto é, o governo dos mais aptos. Este entendimento se alinha perfeitamente com a noção de justiça que o filósofo privilegia em sua obra e que possui como princípio filosófico a sentença: "DEVEMOS DAR A CADA PESSOA O QUE LHE É DEVIDO, SEGUNDO A SUA NATUREZA".
Partindo de sua psicologia e teoria política, Platão se afastou da posição intelectualista de Sócrates ao admitir a existência do AGENTE ACRÁTICO (aquele que é fraco em sua vontade de seguir a orientação da razão), e admitiu que alguém pode conhecer o mal, decorrente de determinada escolha, e deliberadamente praticá-lo, por ter sido movido pelos desejos não racionais – paixões – em detrimento da vontade racional. Assim, como o corpo político deveria ser governado pelo mais apto do ponto de vista das habilidades intelectuais, o indivíduo também deveria ser comandado pela parte racional da alma.
Na hipótese de alguém que adquire um objeto que está além da sua capacidade financeira, Platão diria que essa pessoa agiu dessa forma porque a sua vontade racional foi fraca. Não teve fibra. Agiu sem controle porque sua razão foi nublada pela paixão, por forças do desejo irracional.
É nesse contexto que o filósofo concebe um governo dos melhores e propõe uma reforma ampla na sociedade de sua época. Além da rigorosa preparação dos guardiões, dos quais seria escolhido o “rei filósofo” (aquele que governaria a cidade), também sugere a limitação da propriedade e o desligamento dos valores materiais, necessários ao estabelecimento de uma sociedade mais igualitária. Por essa razão os dirigentes teriam que ser alguém cujo ideal não estivesse preso aos apelos materiais (do corpo).
Platão não desprezava o princípio da ética intelectualista de Sócrates, segundo o qual bastaria saber o que é a bondade para ser bom, porém o apropriou com a diferença de que acreditava ser capaz o conhecimento dos conceitos. Seu mestre apenas se satisfazia em destruí-los.
Diante do conceito "bondade", por exemplo, considerava-o como a ideia geral do que é bom, ou seja, aquele pensamento do qual todos os atos tidos como bons participam. Essa compreensão, como vimos, não seria para qualquer um, mas limitada aos indivíduos capazes de alcançar a luz do conhecimento, como narra na famosa “Alegoria da caverna”, constante na carta VII da “República”. Por isso o governante teria que ser filósofo, por ser o único capaz de alcançar o verdadeiro conhecimento dos conceitos, logo o único capaz de efetivá-los na cidade.
Mas Platão reconhece a dificuldade que o homem teria de praticar boas ações sem a necessidade de coerções externas. Essa disjuntiva férrea o filósofo trata na "história de Gyges", alegoria que também integra "A República". Gyges é um bom e justo pastor até encontrar um anel que o torna invisível. A partir desse momento, ao perceber não estar sujeito aos julgamentos alheios, pratica toda sorte de atos reprováveis. Esta história suscita a emblemática questão: Somos capazes de agir virtuosamente, mesmo se estivermos protegidos pelo manto do anonimato?
A resposta do filósofo para essa questão é SIM. Somos capazes de praticar atos bons e justos sem coerção externa, desde que a parte racional da alma se imponha e nos permita a compreensão das ações que DEVEMOS praticar. A "imposição" decorre da própria razão que nos permite, pela compreensão contextual (universal) do fenômeno em exame, reconhecer a necessidade de agir para além dos valores individuais. Por isso o “Rei filósofo” deve ser o governante, como o indivíduo capaz de AGIR por necessidade a partir da compreensão universal do que é BOM. Somente quem alcança esse grau de compreensão estaria apto para conduzir o corpo social para o BEM, enquanto prosperidade de todos com vistas à felicidade.
Este é o componente objetivo da ação moral e política em Platão. O indivíduo deve comandar pela razão e necessidade, jamais para agradar. Somente assim a sua conduta pública ou privada (que para os gregos antigos não se dissociavam) estará, de fato, visando o que é melhor para todos. Em outras palavras, o "melhor" é sempre um valor coletivo, diferentemente das ações morais ou políticas hodiernas que visam unicamente a satisfação de interesses individuais ou particulares.
Eis que hoje, mesmo sem sabermos, somos socráticos ou platônicos ao fazermos julgamentos morais, porque, de alguma forma, ora acreditamos na existência do agente acrático, ora o ignoramos.
Caro professor,
ResponderExcluirachei o artigo muito bom. Contudo, acho que o senhor poderia falar um pouco mais da teoria propiamente dita.Confesso que gostaria de entender Platão como compreendi - ou pelo menos acho - Aristóteles.
Caro amigo, leia também "Platão e o conhecimento", postado neste blog. Espero que esse texto o ajude a dirimir certas dúvidas. Um grande abraço!
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