E dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
E dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre um ar de alegria
E dizer: tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
E esquecer que está desempregado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre: "Muito obrigado"
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve pois só fazer pelo bem da Nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um Fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado
Você merece, você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanhã, seu Zé
Se acabarem com o teu Carnaval?
(Comportamento Geral - Gonzaguinha)
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A cassação do prefeito de Belém Duciomar Costa me fez lembrar os artigos “Duciomar e a caverna de Platão” e “A culpa é sempre do consumidor”, publicados neste blog nos meses de novembro e agosto de 2008, respectivamente. O prefeito foi cassado por abuso do poder econômico, divulgação de obras e serviços inexistentes e outras ilegalidades praticadas durante a campanha eleitoral do ano passado, com o claro fito de iludir o eleitor e garantir a sua reeleição.
Nos artigos citados tentei sustentar a tese de que Duciomar, como um bom vendedor, somente ofereceu aquilo que os munícipes querem: a ilusão. Ele sabe como funciona o espírito humano, por isso só vende o que tem aceitação no mercado. Na política e na vida não importa o que as coisas são, mas o que parecem ser. O pensamento cria a realidade.
Por isso não devemos estranhar que Duciomar tenha se empenhado em nos enganar. Ao agir dessa forma ele apenas realizou as suas inclinações. Não podemos esperar que os bandidos cumpram as leis. O respeito às regras é característica dos bons cidadãos. Mas, apesar de todo empenho e competência do fazedor de ilusões, é difícil aceitar que ele tenha o poder de nos fazer crer que vivemos em Zurique ou Genebra. É claro que ele contou com o silêncio conivente de todos que conhecem os seus truques, mas, criminosamente, se omitiram.
Sartre, filósofo Frances do século passado, nos advertiu quanto a responsabilidade que possuímos ante os fatos da vida. Queiramos ou não, somos os únicos responsáveis por tudo que acontece, afinal estamos “CONDENADOS À LIBERDADE”. Não existe um deus ou força superior capaz de tecer o nosso destino. Somos responsáveis porque somos os únicos seres capazes de fazer escolhas racionais. Mesmo quando não decidimos, estamos fazendo escolhas: decidimos não escolher. A omissão não é indiferença, é opção. A nossa consciência não é um receptáculo destinado a acomodar certos conteúdos, mas é intencional. Somente o que não passa por ela não é objeto de valoração e escolha.
Se Sartre tem razão e, de uma ou outra forma, estamos fadados a tomar decisões, nos episódios de desmandos políticos em nossa cidade, agimos com total responsabilidade ao permitir, impunemente, que pessoas inescrupulosas administrem a coisa pública. Isso ocorre porque nos comportamos como a moça feia da música "A Banda" do compositor Chico Buarque: ficamos na janela esperando a banda passar e depois, imotivadamente, cremos que ela tocou para nós. Ou seja, agimos como meros expectadores dos fatos da vida. Não abrimos um caminho, com as nossas ações, capaz de modificar as coisas que abominamos. Limitamo-nos a comemorar ou lamentar as ações alheias (quando acontecem).
Por que, então, devemos estar felizes com a condenação do corrupto Duciomar se somos os únicos responsáveis pela sua ascensão ao poder? Se ele é tão nocivo ao serviço público, o que fizemos efetivamente para impedir que se elegesse para o cargo máximo do executivo municipal? Que sentido faz, agora, nos regozijarmos com uma sentença judicial - que pode ser revogada a qualquer momento - como se fosse a panacéia de um problema criado por nós mesmos? Desculpem-me os mais sensíveis, mas não estaríamos “gozando com o pau dos outros (e que ainda é broxa)”?
Ao demonstrarmos felicidade com a cassação de Duciomar evidenciamos a nossa própria incompetência e omissão, como se dependêssemos de um herói para nos socorrer e nos salvar do nefasto vilão. Creio que Sartre, como militante político que foi, diria: Não existe herói seus otários, se estão incomodados construam um novo caminho com as próprias mãos!
Pessoas como Duciomar somente existem por pura concessão nossa, porque "nós as merecemos". E se um dia a Justiça for justa, como os incautos acreditam, ela primeiro nos cassará, porque na ordem da corrupção nós somos os primeiros.
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