terça-feira, 29 de março de 2011

O Pensamento dogmático (ou "A forma ingênua de adquirir conhecimento")



O homem utiliza diversos tipos de narrativas (filosofia, ciência, arte, senso comum, mito, religião) para explicar os fenômenos que o cerca. São relatos ou histórias contadas, de alguém para alguém, com o propósito de transmitir uma ideia, um pensamento. Embora possamos considerar, originalmente, esses tipos de conhecimento como críticos, eles desempenham a função de CONHECIMENTO DOGMÁTICO quando aquele que os ouve ou os lê, os concebe como representação verdadeira das coisas, movidos unicamente pela crença em quem os anuncia.

Dependendo da conduta de quem recebe determinada informação, um saber será crítico ou dogmático. Se o receptor se dispuser a analisar a lógica interna da teoria, investigando-a e questionando-a, posicionar-se-a de forma crítica ante o que lhe é transmitido, pois tenderá a somente tomar como discurso "verdadeiro" aquilo que a sua análise indicar. Ao revés, se aceitar essa informação sem uma prévia análise racional, estará no âmbito da forma ingênua de conhecimento.

Para um conhecimento se tornar dogmático ele conta com um ingrediente fundamental: a CONFIANÇA (fé ou crença) do receptor da mensagem. Ele se realiza epistemologicamente porque o ouvinte da história confia na veracidade do relato, mas não o faz em razão das relações lógicas contidas no bojo do discurso, mas por acreditar que o contador da história é digno de credibilidade. Este funciona como uma AUTORIDADE ante aquele.

No pensamento dogmático a relação é unilateral, ou seja, é de “mão única”, pois não há debate, discussão, nem controvérsia. Isso promove a uniformidade do pensamento e da ação. Quando uma coletividade internaliza um discurso dessa maneira, responde de forma uníssona, pois o coletivismo é o seu inexorável resultado.

Mas quem é essa AUTORIDADE que tem o condão de nos fazer crer nas histórias que conta? Normalmente achamos que esse comportamento ante o ato de conhecer é próprio do homem antigo, que confiava nos relatos dos adivinhos, poetas e videntes; ou dos nossos contemporâneos interioranos, que dão incontido crédito aos contadores de fabulosas histórias. Podemos ainda imaginar que esse discurso é próprio da religião, onde DEUS assume a autoria da verdade revelada, justificando a crença ou fé naquilo que é dito. Mas essa AUTORIDADE também surge quando acreditamos em um pensamento pela fé que temos em quem o proclama, mesmo que o contador da história não seja a divindade, desde que aceitemos o discurso sem contestação. Neste momento, como os antigos e ribeirinhos, nos tornamos PASSIVOS do ponto de vista intelectual.

Mas como é possível que o homem contemporâneo, tecnológico e científico, se comporte ingenuamente ante o ato de conhecer?

Quando somos crianças, como aprendemos as coisas do mundo? Penso que podemos dizer que uma autoridade nos "revela" a verdade. Inicialmente somos orientados pelos pais, depois – aos 3 ou 4 anos – o professor assume essa tarefa. Em seguida (e concomitantemente) o repórter, a apresentadora de programa infantil (as Xuxas da vida), os atores, os políticos e os cientistas nos dizem o que e como pensar. Todas essas personagens (e muitas outras) nos ajudam a construir a nossa percepção da realidade. Acostumamo-nos tanto com o mundo relatado por elas que não ousamos submeter as crenças que adquirimos ao crivo da crítica.

Assim, mesmo sem pesquisar ou investigar os fundamentos de inúmeros fenômenos naturais e humanos, acreditamos com toda a força do nosso espírito nas histórias que nos contam. Cremos, amparados apenas na confiança no narrador, que nascemos porque um espermatozóide, por um motivo qualquer, fecundou um óvulo. Acreditamos que a terra gira em torno do sol, mesmo que jamais tenhamos observado o movimento dos astros celestes; Acreditamos que um corpo “cai” porque é atraído por outro corpo de maior massa, sem que tenhamos lido uma única linha de Newton; Que o chocolate é um alimento calórico, sem realizarmos qualquer pesquisa sobre a sua natureza energética; Que as mulheres são sensíveis, sem investigarmos o comportamento feminino nas diversas culturas e épocas, etc.

Não examinamos a validade desses e outros pensamentos que possuímos, apenas cremos que são verdadeiros da mesma forma que os gregos acreditavam na ILÍADA e ODISSÉIA; ou os nossos irmãos amazônicos, no Boto, Curupira, Mula sem Cabeça e Matinta Perera, ou seja, sem investigarmos pessoalmente a coerência interna desses discursos. Simplesmente os aceitamos por terem sido contados pelas "AUTORIDADES".

Assim, o dogma, o preconceito, o pensamento fixo se cristalizam em nosso intelecto, sem que os submetamos aos ditames de uma simples análise racional. Continuamos, ainda hoje, a adquirir (receber) o conhecimento de forma passiva como se não tivéssemos a capacidade de investigar, pesquisar e interrogar a natureza.

O conhecimento dogmático, portanto, do ponto de vista da relação que estabelecemos com as coisas da vida, continua determinando o que pensamos sobre os fenômenos naturais e humanos, fazendo-nos crer que somos detentores da VERDADE.

4 comentários:

  1. então quer dizer que toda a verdade que conhecemos pode ser uma grande mentira? e que temos de descobrir cada coisa, cada conhecimento já conhecido? isso não me soa muito coerente. A velocidade em que o conhecimento "dobra" ou seja, é ultrapassado, é imensa, poderiamos até encarar esse desafio de redesvendar o mundo, mas quando chegassemos ao ponto em que estamos, o mundo já estaria muito mais distante em matéria de conhecimento. Gostei do artigo, devemos ser sim imvertigadores incansáveis diante das inumeras verdades que surgem nas caixas mágicas(TV).

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  2. Caro marcos,

    O artigo não teve o propósito de discutir quando um pensamento é verdadeiro ou falso em si, mas como tomamos certos pensamentos como verdadeiros sem, pessoalmente, o examinarmos. Aqui sustentei a tese de que a CRENÇA é muito mais poderosa que a razão quando determinamos o que é o verdadeiro ou o falso.

    Quanto a velocidade com que as coisas mudam, isso apenas prova que o turbilhão nos forma, não nós a ele. Não somos, enquanto indivíduos, sujeitos do conhecimento, mas objetos.

    Discuti, neste artigo, o caminho que percorremos para conhecer algo. Não me ditive no resultado.

    Um abraço.

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    1. Tem algum texto sobre a razão, ou a racionalidade? O que seria ou determinaria a Razão?

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  3. Excelente artigo. O melhor que encontrei em minha busca sobre pensamento mágico, pensamento dogmático, crenças gerais, etc.
    Pois a explicação é lúcida e didática, forneceu-me muitos elementos para reflexão.
    Parabéns

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