quarta-feira, 25 de maio de 2011

O pensamento ético de Nietzsche (ou "A moral é um artifício dos fracos")



A ética nietzschiana se caracteriza, sobretudo, pelo combate à Filosofia Ocidental, de cunho metafísico, e à Ciência Moderna, por enaltecerem valores supremos como solução para as desditas humanas. Essa forma de pensar, estritamente racional, teria levado o homem a desprezar a vida no âmbito dos sentidos e se voltar para uma realidade idealizada, irreal, estática. Para o filósofo, a nossa cultura, desde Sócrates, privilegiou, no âmbito psicológico, o deus Apolo (harmonia) e esqueceu Dionísio (desmesura).

Nietzsche se inspirou no pensamento dos filósofos pré–socráticos, que concebiam como fundamento da realidade o DEVIR – em especial Heráclito. Nesse momento embrionário da história da humanidade o pensamento estava marcado pelo corpo e a noção de VERDADE ainda não estava estabelecida. Preponderava a ideia de TRANSFORMAÇÃO e que a vida é um fluxo.

Segundo o filósofo, o nosso modo de pensar começou com Sócrates e seguiu um rumo equivocado ao NEGAR a vida dos sentidos. O homem, ao colocar o pensamento acima do corpo, construiu uma imagem de si mesmo muito superior do que ele pode ser. Com o advento da “verdade”, pensamento e vida se dissociaram.

Mas Nietzsche desloca o foco da abordagem filosófica tradicional e pergunta: Para que serve a verdade?

Considerou que a verdade não é produto da curiosidade humana, mas da necessidade psicológica de duração (medo da morte), como ocorre no campo da religião. Entendeu que o homem não é forte o suficiente para enfrentar a vida sem a proteção de entidades metafísicas, por isso construiu a ideia de VERDADE. Mas essa ideia o fez negar o corpo, o agora, o conflito e a transformação. Nesse contexto, o homem ficou apático, sem ânimo, indiferente. Instituiu-se, assim, o NIILISMO, contra o qual o filósofo se posicionou.

Nietzsche combateu o NIILISMO (ideia de culpa) por entender que nele os valores afirmativos da vida perdem a importância, como ocorre no CRISTIANISMO e na CIÊNCIA. Duas são as formas de niilismo: Negativo e Reativo.

O niilismo negativo é a teoria que sustenta que esta vida é um erro, logo devemos nos concentrar na “outra” vida, que é a verdadeira (visão judaico-cristã). O cristianismo funciona como o platonismo do povo.

Por outro lado, o niilismo reativo ocorre na modernidade com a morte de Deus, quando a ciência passa a explicar a realidade. O homem moderno colocou a vida sob a tutelada razão esclarecida, por isso, segundo Nietzsche, todos nós somos responsáveis pela morte de Deus. Nesse contexto, a FELICIDADE se apresenta como um conceito supremo e está ligado ao consumismo e outros procedimentos do homem moderno, fazendo-o viver sempre no PORVIR, tirando-o do momento presente e, por conseguinte, da vida. O ideal passou a presidir a existência embora não possa ser vivido.

Esse é o ambiente em que surge a moral dos ressentidos, baseada no medo e no ódio à vida. O homem fraco, incapaz de viver no âmbito dos sentidos, no fluxo das transformações, inventa outra vida, futura, eterna, incorpórea, que será dada como recompensa aos que sacrificarem seus impulsos vitais e aceitarem os valores dos escravos. A moral seria uma criação dos fracos para corroer a alma dos fortes, impingindo-lhe o ressentimento. Ela seria uma estratégia psicológica de dominação.

O homem moderno para o filósofo alemão seria hipócrita: ele quer se emancipar, mas quer se manter sob a proteção de elementos absolutos.

Nietzsche constrói a ideia de super-homem (além do homem), não como alguém que possui poderes sobre humanos, mas como quem cria a si próprio, superando-se. A sua essência está na superação, não na verdade. É aquele sujeito capaz de encarar a vida sem os consolos metafísicos inventados para negar a experiência do tempo e da morte. Para superar esse estado de coisas é preciso estar “além do homem”.

Para Nietzsche a existência não deveria ter justificação religiosa, ética, nem metafísica, mas reconheceu que o poder que se estabeleceu no mundo é o poder da fraqueza. Como exemplos dessa moral dos fracos estão as que afirmam que os seres humanos são IGUAIS, seja pela racionalidade (Sócrates e Kant), seja por serem irmãos (Cristianismo), seja por possuírem os mesmos direitos (ética socialista e democrática). Contra a moral dos escravos, o filósofo propõe a moral dos senhores, dos melhores, dos aristocratas, fundadas nos instintos vitais, nos desejos e na vontade de potência, cujo modelo se encontra nas sociedades antigas, nos guerreiros belos e fortes, que, pela guerra, buscavam a glória, fama, honra etc.

Para fazer essa crítica, Nietzsche combateu a METAFÍSICA, investigando problemas de LINGUAGEM, centrando-se nas questões morais. Ele percebeu que foi a mudança da linguagem, do vocabulário, que operou uma verdadeira revolução na MORAL. Foi o discurso que operou essa transformação.

Ele perseguiu os adjetivos morais. Perguntou inicialmente: o que é BOM? (quando usamos a palavra “BOM”?). Percebeu que a palavra “BOM” tem uma peculiaridade: possui dois antônimos MAU e RUIM (BOM – MAU e BOM –RUIM) e por possuir dois antônimos ela também possui dois sentidos: “Bom” no sentido técnico, que se opõe a ruim; “Bom” no sentido moral, que se opõe a mau.

Nietzsche percebeu que a palavra “bom”, como contraponto de “ruim’, faz parte do vocabulário dos FORTES, SADIOS e SENHORES. São aqueles que se consideram bons, porque o adversário não é hábil, não sabe lutar, não tem técnica, logo merece perder. Neste caso não há arrependimento ou compaixão, pois o outro perdeu por causa das suas próprias deficiências. Porém, quem usa a palavra “bom” em oposição a “mau” são os DOENTES, FRACOS e ESCRAVOS, ao tentarem impingir no espírito do outro a idéia de pecado, transgressão, culpa, etc, fazendo com que ele próprio sinta CULPA por submeter o outro ao seu poder, seja físico ou psicológico. Em Nietzsche os conceitos FRACO-FORTE, DOENTE-SADIO e ESCRAVO-SENHOR indicam tipos psicológicos para explicar como, pela palavra, o homem que era forte e viril, na Grécia Arcaica , ao ser seduzido pelo discurso metafísico, se tornou um animal de rebanho. Segundo Nietzsche, na história do pensamento ocidental os fracos venceram.

Os fracos inventaram a capacidade de mudar o vocabulário, logo mudaram o comportamento. Assim, criam a ideia de LIBERDADE, de o sujeito poder mudar a sua conduta, de má para boa. A ideia de liberdade gera a ideia de SUJEITO (consciente de suas ideias e responsável pelos seus atos, logo com liberdade para agir). Para Nietzsche os conceitos de “liberdade” e “sujeito” são invenções da gramática, isto é, do modo de falar. Em outras palavras: são invenções dos fracos. A proposição “Paulo agiu bem” cria o entendimento de que ele, Paulo, está no comando da ação, porque ele é livre para escolher dentre as ações possíveis, a “boa ação”, mas, para Nietzsche, tudo seria uma ficção promovida pela linguagem.

12 comentários:

  1. Como viver este modelo exposto pelo filoso do martelo, sem retorna a condição de rebanho? Já que o mesmo passa a impor o seu discurso ou revelações a cerca de uma verdade oculta, camuflada como instrumento de manipulação, algo descoberto e revelado pelo mesmo como instrumento indispensável a condição do ser superior, desprendido das amaras dos iluministas escolasticos.

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    1. Lendo o Zaratustra, percebo que Nietzsche não quer seguidores, mas companheiros. Ele dá uma visada alternativa daquela que norteia os valores tidos como ideais e te "convida/provoca" a pensar/agir sem suas muletas. Ele nos deixa, a princípio, desamparados, para que então possamos desenvolver nossa própria maneira de pensar o mundo.

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  2. gostei...
    pelo menos me ajudou a achar algo sobre nietzsche que eu possa apresentar!:)

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  3. Muito bom, só me confundi na parte dos conceitos de "bom". Nietzsche diz que a moral dos fracos é se submeter aos fortes, porém, se segue a moral dos fortes, os fracos se submetem novamente. Logo, Nietzsche é contra qualquer conceito ético? Que qualquer conceito da moral é negativo, criticando este pensamento pós-socrático? Ou seja, ele revela os dois lados da moral, porém não há uma "escapatória", certo?

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  4. O texto tem uma leitura muito apolínea e formalizada do Nietzsche. A ética pra Nietzsche é a ética de viver o trágico, essa escolha não é consciente, no sentido de planejada, de estratagemas, da lógica e do racional, mas forjada naquilo que todo ser humano tem de seu. Por isso a frase que diz: eu quis assim representa bem a moral Nietzscheana, puramente trágica e romanceada. Nietzsche é contra qualquer tentativa do outro ter o poder de nos formatar, só nós podemos nos inventar constantemente frente aos desejos q nos envenenam mas também cura...

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  5. Muito bom, gostei! Me ajudou bastante.

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  6. Várias questões interessantes são abordadas, e atuais, surpreendentemente atuais. As pessoas realmente estão cada vez mais apáticas, porque o devir não chega nunca, até porque é um devir inalcançável decorrente da frase: se é pra sonhar, então vamos sonhar alto. E o texto me lembro muito uma frase um professor meu, querido, chamado Talema: quando ele iniciava a aula, e todos estavam eufóricos e falantes demais, ele dizia: agora vamos falar menos pra podermos sentir mais. Nietzsch parece querer dizer isso também. O homem esqueceu de sentir-se porque precisa envolver-se no pensar pra alcançar suas metas de 5, 10 e 15 anos, e a vida escorre entre os dedos. Acho que a crítica de Nietzsch é no sentido de deixarmos de ser "moralistas de cueca" e passarmos a enfrentar nossas mazelas com mais segurança, com a segurança de que a vida é isso aí mesmo, e eu tenho minhas inabilidades mas estou lutando para ser melhor pra mim, e automaticamente, para os outros.

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