terça-feira, 10 de maio de 2011

O pensamento ético de Kant (ou "A ética do DEVER")



Kant parte do pressuposto hobbesiano de que o homem é egoísta por natureza, ou seja, age movido por interesses pessoais. Para satisfazer esses desejos é capaz de praticar os mais insólitos e nefastos atos. Assim, para que o homem possa se constituir em um ser moral ele precisa controlar essa inclinação natural e permitir que a razão determine a sua conduta, que, a partir de então terá validade e alcance para além de si mesmo. A ética Kantiana é a expressão da supremacia do interesse coletivo sobre o individual.

Mas, para o filósofo, a razão humana teria três destinações: determinar o que podemos conhecer (razão teórica), prescrever como devemos agir (razão prática) e compreender o que torna algo belo (faculdade de julgar). Ela, em qualquer dessas vertentes, seria universal em sua FORMA (a mesma para todos os homens e em todos os lugares e tempos), mas variaria em seus conteúdos.

A razão teórica teria como objeto o mundo exterior ao homem. Nesse campo, o conhecimento dependeria, em parte, do que é apreendido pela sensibilidade humana (captado pelos órgãos dos sentidos), e, em parte, pelo que é dado pelas faculdades existentes no próprio sujeito, que Kant denomina de faculdades do entendimento, que existem no sujeito do conhecimento a priori, ou seja, anteriores a qualquer experiência sensível. O conhecimento seria a síntese desses dois componentes, motivo pelo qual estaria condicionado a ambos. Logo, não seria possível existir conhecimento sem a existência dos dados empíricos (ou fenômenos). Em outras palavras, no campo da razão teórica, somente há conhecimento do que nos chega pela experiência sensível, por isso Kant afirma que “podemos pensar qualquer coisa, mas somente podemos conhecer o que é dado pela experiência”. Nesse sentido o pensamento humano, no âmbito da razão teórica, não é livre, pois está condicionado ao mundo empírico, o que torna a metafísica impossível, pois apenas podemos pensar em coisas como Deus, alma e liberdade, porém jamais poderíamos conhecê-los.

Mas, se no campo da razão teórica o homem está condicionado ao empírico, no âmbito da razão prática kant resgata a liberdade humana ao considerar a vontade racional como fonte das determinações do sujeito. O pensamento moral vai ao empírico, mas não está condicionado por ele, uma vez que somente a vontade o determina. Mas, para o filósofo, vontade não é desejo. Esta é heterônoma e vem de fora se impondo ao sujeito; aquela é autônoma porque racional e emana do próprio sujeito que dita as regras para si próprio. Surge assim, no campo da razão prática, o sujeito transcendental, consciente dos seus pensamentos e responsável pelas suas ações, logo capaz de se impor às determinações das leis naturais, podendo agir por liberdade.

A razão prática não obriga o homem a agir de determinada maneira, mas é no seu âmbito que o exercício da liberdade se torna possível ao permitir que ele crie normas e fins morais e os imponha a si mesmo. Mas essa “imposição” não representa um constrangimento à vontade e consciência humanas, porque é fruto da própria razão humana, por isso obedecê-la é obedecer a si próprio, constituindo a mais alta manifestação da humanidade em si mesmo. É nesse sentido que agir por DEVER é agir livre e autonomamente, posto que o homem confere a si mesmo os valores, fins e leis da ação moral. Ao revés, agir por instinto ou por interesse significa cumprir uma norma que foi criada pela natureza ou qualquer outro fator externo ao homem (ação heterônoma).

Para o filósofo, a moralidade não é natural no homem porque ele também é um ser biológico, submetido às leis inexoráveis de causa e efeito. Como tal, as paixões também exercem influência sobre a sua conduta dificultando a sua existência ética. A natureza tende a fazê-lo AGIR POR INTERESSE, concebendo os outros seres humanos apenas como MEIOS e INSTRUMENTOS para a sua satisfação.

A ação por interesse faz o homem ter a ilusão do exercício da liberdade por visar a satisfação de suas inclinações (desejos), mas para Kant constitui um impulso cego determinado por motivações psíquicas, físicas, vitais, à maneira dos animais. E como a ação por interesse normalmente é mais forte que a razão, o agente moral precisa dobrar a sua parte natural e impor-se pela racionalidade.

Mas, apesar da inexorável pressão da natureza no homem, ele pode julgar e agir fora dos limites do mundo natural, pois também é um ser racional. É exatamente a racionalidade que o torna capaz de agir por DEVER e realizar a sua verdadeira natureza de ente AUTÔNOMO. Para o filósofo não faz sentido pensar que a supressão das paixões constitui uma violência ao ser humano. Ao contrário, a violência se evidencia na satisfação irracional dos apetites e impulsos. A vontade humana somente é livre quando abdica de seguir suas inclinações, que são circunstanciais, para se guiar conforme a razão, mais precisamente quando segue o imperativo categórico, que é a expressão maior da razão prática.

Em Kant o DEVER não constitui um corpo normativo capaz de prescrever como o homem deve agir nesta ou naquela situação, pois seria contingente, ou seja, valeria para algumas situações e momentos e não valeria para outros. O DEVER é um princípio capaz de ser aplicado em toda e qualquer ação moral. É algo imperativo, incondicional, imposto pela razão, por isso assume a forma de um IMPERATIVO CATEGÓRICO. Para o filósofo esse imperativo se apresenta em uma forma geral:

“AGE EM CONFORMIDADE APENAS COM A MÁXIMA QUE POSSAS QUERER QUE SE TORNE UMA LEI UNIVERSAL”

O imperativo é a fórmula para pensar uma ética estritamente racional, ou seja, sem recorrer ao discurso unificador metafísico, que coloca como juiz de todos os homens alguma entidade superior e externa. Uma ética que não seja relativa a determinados grupos ou pessoas. Para Kant, um ser racional "só está sujeito a leis feitas por si mesmo e que, no entanto, sejam universais". Nesse sentido, todos somos igualmente legisladores e súditos.

O imperativo categórico, enquanto um princípio, não anuncia um conteúdo particular de uma ação, mas as formas gerais das ações morais. O motivo moral da vontade boa é o respeito pelo dever, produzido no ser humano pela razão. A obediência à lei moral, respeito pelo dever e pelos outros constituem a bondade da vontade ética.

"A CIMA DA MINHA CABEÇA O CEU ESTRELADO; DENTRO DE MIM, A NOÇÃO DO DEVER"

Mas como uma sociedade poderia ser composta por sujeitos autônomos? Segundo o ideal iluminista, seria possível por intermédio da educação, que teria o condão de formar o cidadão crítico, emancipado e esclarecido, logo capaz de sair da minoridade pelo bom uso da razão, voltada sempre para a vida coletiva.  

Para exemplificar o pensamento ético de Kant imaginemos o seguinte exemplo. Suponhamos que João precisa de dinheiro e solicita um empréstimo a alguém, mesmo sabendo que não será capaz de devolvê-lo. Por mais que precise do dinheiro para um propósito meritório, resta claro que estaria manipulando o credor, utilizando-o como um MEIO para atender os seus interesses, além de atentar frontalmente contra o IMPERATIVO CATEGÓRICO, pois se essa conduta fosse universalizada, o instituto do empréstimo tenderia a desaparecer por falta de confiança no devedor.

Por outro lado, se João solicita o empréstimo dizendo que poderá não pagá-lo, permitirá ao credor exercer os seus poderes racionais, consultando seus próprios valores e desejos para fazer uma escolha livre e autônoma. Neste caso o credor será o detentor da finalidade da ação e não terá a sua autonomia e dignidade afetadas.

Até Kant a ética tinha como objetivo a FELICIDADE (ação em consonância com o ethos do povo, com vistas à felicidade), com ele a ética passa a discutir a respeito de DEVERES, OBRIGAÇÕES, DILEMAS. Com o filósofo, a ética vai para um lado e a felicidade para o outro.

3 comentários:

  1. Espero que esteja certo, vou precisar pra prova.Porque ler o texto original é complicado.

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  2. muito bom apresenta muitas coisas claras e ao mesmo tempo objetivas, fazendo com que nós possamos pensar nos seus pensamentos, e juntos tentar mudar o nosso meio de viver.

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