segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O cosmos grego

Não é possível compreender o pensamento antigo, particularmente o grego, sem o domínio de um conceito fundamental, o de COSMOS, que, para nós, corresponde aquilo que, a partir da modernidade, chamamos de UNIVERSO, porém, é claro, com significativas alterações.

Os antigos não dispunham de telescópio e outras engenhocas para examinar o espaço celeste, o que certamente contribuiu para que pensassem o cosmos como um todo HARMÔNICO, ORGANIZADO, INTELIGENTE, FINITO, ETERNO, ANIMADO e DIVINO, cujas partes se relacionam, se determinam, se complementam e mantém o equilíbrio de um sistema lógico e perfeito. Nenhuma parte dessa grande engrenagem existe por acaso. Cada uma tem um papel e quando uma delas não funciona bem, o todo é afetado, porém, como um ser INTELIGENTE, o cosmos possui a capacidade de se auto harmonizar, restabelecendo o equilíbrio e a ordem temporariamente perdidas. 

Os atributos do cosmos, especialmente a ORDEM e a HARMONIA, o levariam a condição de ente DIVINO, mas para o ser humano alcançar a percepção dessa perfeição, segundo os filósofos estoicos, seria necessário recorrer à teoriaque etimologicamente significa “eu vejo o divino”. É nesse nível de abstração que o homem poderia perceber a ordem “lógica” e subjacente (estrutura interna) desse grande “ser vivo”, mas, se, ao revés, os homens fossem guiados exclusivamente pela sensibilidade, poderiam intuir apenas partes ou fragmentos do cosmos, o que certamente os faria confundir uma desordem e instabilidade localizada e passageira, como um atributo geral e permanente do todo.

 Como ente FINITO, o cosmos abarca a totalidade dos seres. Mesmo os deuses não o transcendem, mas o incorporam, na medida em que existem nele e concorrem para fazê-lo harmônico e organizado. Podemos compará-lo a uma grande máquina bem azeitada, cujas peças cumprem funções bem específicas e garantem o bom funcionamento do todo. Não há nada fora do cosmos. Ele é o início, meio e fim de tudo que existe para os antigos.

Mas, para que a harmonia cósmica possa se efetivar cada ser tem de cumprir o papel que lhe cabe nesse grandioso sistema, afinal as funções individuais devem sempre se subordinar e concorrer para o bom funcionamento do todo. É nesse contexto que surge o drama humano, como único ser que desconhece o seu papel na engrenagem cósmica (ver o mito de Prometeu e Epimeteu), logo, segundo os antigos, temos o dever de tentar descobrir e exercer o nosso papel para colaborarmos com a harmonia cósmica e alcançarmos a eudaimonia.

Do ponto de vista da teoria estoica, o cosmos é, pois, com exceção de alguns episódios acidentais e provisórios que são as catástrofes, essencialmente HARMÔNICO, o que, em certa medida, o fará servir de modelo ético, político e estético para os homens. Marco Aurélio, por exemplo, pensa que a natureza faz justiça a cada um, tendo em vista que ela nos dota, quanto ao essencial, daquilo de que precisamos: um corpo que permite que nos movamos no mundo, uma Inteligência que possibilita nossa adaptação a ele, e riquezas naturais que nos bastam para nele viver. De modo que, nessa grande partilha cósmica, cada um recebe o que lhe é devido.

Essa teoria do justo anuncia uma fórmula que servirá de princípio a todo o direito romano: “dar a cada um o que é seu”, colocar cada um em seu lugar – o que supõe que exista, como diziam Platão e Aristóteles, para cada ser um “lugar natural”, e que o próprio cosmos seria justo e bom. É, segundo os estoicos, justamente a teoria que nos permite capturar o que há de mais perfeito e “real” no mundo (sua harmonia e ordenação), visto que a sensibilidade fica restrita a parte, que é defeituosa e quebradiça. É esse trabalho abstrato que, mais tarde os filósofos chamarão de Ontologia e Teoria do Conhecimento, que não são ciências particulares como a Biologia, Astronomia, Física ou Química, porque, embora recorra constantemente a essas ciências positivas, ela não se interessa pelos seus objetos particulares, mas tenta capturar a essência e a estrutura interna da totalidade do mundo.  

Bibliografia:
- Ferry, Luc. Aprender a Viver: filosofia para novos tempos/Luc Ferry;
Tradução Vera Lúcia dos Reis. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
- Ferrreira, Leonardo Zoccaratto. Como perdemos nossos ideiais?
Clube de autores – São Paulo, 2012.


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