A suposta existência (Carlos Drummond de Andrade)
Como é o lugar
quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas
sem ser vistas?
O interior do apartamento desabitado,
a pinça esquecida na gaveta,
os eucaliptos à noite no caminho
três vezes deserto,
a formiga sob a terra no domingo,
os mortos, um minuto depois de sepultados,
nós, sozinhos no quarto sem espelho?
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Para compreendermos o que é o conhecimento para Platão, é necessário, antes, analisarmos alguns elementos da sua ONTOLOGIA, isto é, da sua teoria sobre a realidade.
Lembremos que algumas posições, por vezes divergentes, sobre o que é o real, já haviam sido postas pelos filósofos Pré-Socráticos. Para Heráclito, por exemplo, o Ser é a mudança. Tudo está em constante movimento, logo a estaticidade ou a permanência do mundo é ilusória. Parmênides, ao revés, concebeu a transformação da realidade como irreal, pois, ao relacionar o Ser com o pensamento, o imaginou estático, uma vez que aquilo que está em permanente transformação é impensável, pois uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob as mesmas condições (Princípio da Identidade:"o que é, é; o que não é, não é" ou "A é A").
Para solucionar essa disjuntiva férrea Platão compatibilizou as posições desses filósofos, admitindo a existência de dois mundos: o SENSÍVEL, que é captado pelos órgãos da sensibilidade; e o INTELIGÍVEL, alcançável apenas pelo pensamento. Porém, admitiu que somente os seres que habitam o mundo inteligível seriam reais ou verdadeiros, na medida em que o conhecimento da realidade exige a existência de um PONTO FIXO, que não se altere, enquanto condição para o pensamento. Aos seres do mundo inteligível Platão chamou de IDEIAS, que seriam as verdadeiras entidades, sendo, inclusive, independentes do próprio homem. Elas seriam a inspiração para o grande artífice do mundo material, DEMIURGO, criar todos os seres que vivem no plano da sensibilidade, os quais não passariam de meras cópias.
As ideias seriam essências universais das quais decorrem a existência dos seres do mundo sensível, por isso mais verdadeiras que estes.
Para alcançar as essências universais seria preciso não confiar na sensibilidade e trabalhar no plano meramente intelectual, como condição "sine qua non" para apreender as ideias imutáveis do BEM, do BELO e do VERDADEIRO. Essa atividade seria própria do filósofo, enquanto alguém treinado para resistir às tentações do mundo sensível, tornando-se apto ao exercício teórico.
Platão descreveu o trajeto do filósofo em busca do conhecimento no “MITO DA CAVERNA”, alegoria que integra a Carta VII da obra “A REPÚBLICA”. Nesta metáfora o filósofo relata como o homem passa da DÓXA (opinião) ao nível da EPISTEME (ciência). Apesar de considerar todos os seres humanos, enquanto seres racionais, capazes de conhecimento por já trazermos em nossas mentes as idéias do BEM, do BELO e do VERDADEIRO, o filósofo entendeu que poucos se interessam em abandonar o plano dos prazeres sensíveis para alcançar o verdadeiro conhecimento, visto que a busca pelo saber implica no abandono às crenças sedimentadas pelo tempo no espírito humano (conforto do fundo da caverna). Segundo o filósofo, a maioria se compraz em permanecer no confortável mundo das opiniões, com o qual todos estão acostumados. É nesse ambiente de apatia epistemológica que aparecem aqueles que “formam as opiniões”, isto é, os demagogos.
Como a maioria dos homens vive em nível da dóxa (opinião) e não está acostumada a fazer uso da razão para se orientar, sendo movida por interesses e voltada para o que lhes agrada e atende às suas necessidades imediatas, vivendo por conveniência e desprezando o que as coisas são em si, torna-se presa fácil dos demagogos, daqueles que oferecem a ilusão como fundamento da existência. É neste ambiente que a visão sectária da realidade prospera.
Nesse contexto, o homem de conhecimento, que tenta apreender as coisas como são, objetivamente, fica em desvantagem com relação ao demagogo, na medida em que este, ao proceder em conformidade com os desejos das pessoas, consegue maior adesão às suas idéias. Por isso o prisioneiro que retorna a caverna com o objetivo de libertar os seus companheiros das ilusões do mundo sensível é hostilizado, agredido e morto.
Por isso o filósofo é uma exceção no contexto social. Como ele não age por interesse, mas por princípios, voltado para valores universais de beleza e justiça, poucos lhe dão ouvidos. Essa característica moral decorreria, segundo Platão, do fato de a alma humana, antes de incorporar, ter coabitado com as IDEIAS (formas ou essências perfeitas) e, após passar pelo processo traumático de incorporação, haver se esquecido do que contemplara. O filósofo seria aquele sujeito capaz de lembrar o que sua alma conhecera. Esse entendimento (teoria da reminiscência) está descrito no “MITO DE ER”, constante no livro X de “A República”, que podemos interpretar como a capacidade que o homem possui de elaborar pensamentos universais ao exercitar a atividade racional.
O certo é que, para Platão, esse nível de conhecimento (episteme) é prerrogativa de quem se dedica às atividades intelectuais. É preciso abandonar as impressões equívocas e sedutoras causadas pela sensibilidade para se conhecer a verdade. Embora todos os seres humanos queiram o BEM (os que praticam o mal o fazem por ignorância, pois acreditam que ele é o bem), o VERDADEIRO e o BELO, enquanto motivações universais para o agir humano neste mundo, nem todos estão aptos para alcançá-los. É nesse contexto que as tarefas de governar e educar as pessoas seriam próprias do filósofo, o único capaz de zelar pelo interesse comum da sociedade, posto que os demais, como os prisioneiros da caverna, estariam presos a interesses pessoais, egocêntricos e mesquinhos.
Somente quem é capaz de ultrapassar as determinações individuais e subjetivas e alcançar o BELO em si, o VERDADEIRO em si e o BEM em si seria capaz de governar com justiça. Essa é a razão que fez Platão identificar a figura do governante com a do filósofo.
Lembremos que algumas posições, por vezes divergentes, sobre o que é o real, já haviam sido postas pelos filósofos Pré-Socráticos. Para Heráclito, por exemplo, o Ser é a mudança. Tudo está em constante movimento, logo a estaticidade ou a permanência do mundo é ilusória. Parmênides, ao revés, concebeu a transformação da realidade como irreal, pois, ao relacionar o Ser com o pensamento, o imaginou estático, uma vez que aquilo que está em permanente transformação é impensável, pois uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob as mesmas condições (Princípio da Identidade:"o que é, é; o que não é, não é" ou "A é A").
Para solucionar essa disjuntiva férrea Platão compatibilizou as posições desses filósofos, admitindo a existência de dois mundos: o SENSÍVEL, que é captado pelos órgãos da sensibilidade; e o INTELIGÍVEL, alcançável apenas pelo pensamento. Porém, admitiu que somente os seres que habitam o mundo inteligível seriam reais ou verdadeiros, na medida em que o conhecimento da realidade exige a existência de um PONTO FIXO, que não se altere, enquanto condição para o pensamento. Aos seres do mundo inteligível Platão chamou de IDEIAS, que seriam as verdadeiras entidades, sendo, inclusive, independentes do próprio homem. Elas seriam a inspiração para o grande artífice do mundo material, DEMIURGO, criar todos os seres que vivem no plano da sensibilidade, os quais não passariam de meras cópias.
As ideias seriam essências universais das quais decorrem a existência dos seres do mundo sensível, por isso mais verdadeiras que estes.
Para alcançar as essências universais seria preciso não confiar na sensibilidade e trabalhar no plano meramente intelectual, como condição "sine qua non" para apreender as ideias imutáveis do BEM, do BELO e do VERDADEIRO. Essa atividade seria própria do filósofo, enquanto alguém treinado para resistir às tentações do mundo sensível, tornando-se apto ao exercício teórico.
Platão descreveu o trajeto do filósofo em busca do conhecimento no “MITO DA CAVERNA”, alegoria que integra a Carta VII da obra “A REPÚBLICA”. Nesta metáfora o filósofo relata como o homem passa da DÓXA (opinião) ao nível da EPISTEME (ciência). Apesar de considerar todos os seres humanos, enquanto seres racionais, capazes de conhecimento por já trazermos em nossas mentes as idéias do BEM, do BELO e do VERDADEIRO, o filósofo entendeu que poucos se interessam em abandonar o plano dos prazeres sensíveis para alcançar o verdadeiro conhecimento, visto que a busca pelo saber implica no abandono às crenças sedimentadas pelo tempo no espírito humano (conforto do fundo da caverna). Segundo o filósofo, a maioria se compraz em permanecer no confortável mundo das opiniões, com o qual todos estão acostumados. É nesse ambiente de apatia epistemológica que aparecem aqueles que “formam as opiniões”, isto é, os demagogos.
Como a maioria dos homens vive em nível da dóxa (opinião) e não está acostumada a fazer uso da razão para se orientar, sendo movida por interesses e voltada para o que lhes agrada e atende às suas necessidades imediatas, vivendo por conveniência e desprezando o que as coisas são em si, torna-se presa fácil dos demagogos, daqueles que oferecem a ilusão como fundamento da existência. É neste ambiente que a visão sectária da realidade prospera.
Nesse contexto, o homem de conhecimento, que tenta apreender as coisas como são, objetivamente, fica em desvantagem com relação ao demagogo, na medida em que este, ao proceder em conformidade com os desejos das pessoas, consegue maior adesão às suas idéias. Por isso o prisioneiro que retorna a caverna com o objetivo de libertar os seus companheiros das ilusões do mundo sensível é hostilizado, agredido e morto.
Por isso o filósofo é uma exceção no contexto social. Como ele não age por interesse, mas por princípios, voltado para valores universais de beleza e justiça, poucos lhe dão ouvidos. Essa característica moral decorreria, segundo Platão, do fato de a alma humana, antes de incorporar, ter coabitado com as IDEIAS (formas ou essências perfeitas) e, após passar pelo processo traumático de incorporação, haver se esquecido do que contemplara. O filósofo seria aquele sujeito capaz de lembrar o que sua alma conhecera. Esse entendimento (teoria da reminiscência) está descrito no “MITO DE ER”, constante no livro X de “A República”, que podemos interpretar como a capacidade que o homem possui de elaborar pensamentos universais ao exercitar a atividade racional.
O certo é que, para Platão, esse nível de conhecimento (episteme) é prerrogativa de quem se dedica às atividades intelectuais. É preciso abandonar as impressões equívocas e sedutoras causadas pela sensibilidade para se conhecer a verdade. Embora todos os seres humanos queiram o BEM (os que praticam o mal o fazem por ignorância, pois acreditam que ele é o bem), o VERDADEIRO e o BELO, enquanto motivações universais para o agir humano neste mundo, nem todos estão aptos para alcançá-los. É nesse contexto que as tarefas de governar e educar as pessoas seriam próprias do filósofo, o único capaz de zelar pelo interesse comum da sociedade, posto que os demais, como os prisioneiros da caverna, estariam presos a interesses pessoais, egocêntricos e mesquinhos.
Somente quem é capaz de ultrapassar as determinações individuais e subjetivas e alcançar o BELO em si, o VERDADEIRO em si e o BEM em si seria capaz de governar com justiça. Essa é a razão que fez Platão identificar a figura do governante com a do filósofo.
Caros amigos,
ResponderExcluirAqui vai algumas considerações sobre o mito de Er.
Na República (Livro X), Platão procura fundamentar a teoria da reminiscência por meio da alegoria de Er, um pastor da Panfília que, morto em batalha, após dez dias é encontrado com seu corpo intacto entre centenas de cadáveres putrefatos. Levado para casa a fim de que se cumprissem os ritos funerários, já estendido sobre a pira de cremação, no décimo segundo dia após sua morte, Er acorda, levanta-se e põe-se a narrar o que viu no além. O pastor havia estado entre os juízes que separavam as almas boas das ruins, dando-lhes as sentenças conforme haviam vivido seus dias encarnados.
Er estivera entre almas de sábios, heróis, antepassados e amigos. Os juízes o haviam escolhido para que, vendo e ouvindo tudo o que ali se passava, pudesse retornar à Terra e contar aos homens o destino que nos reserva o além. Er aprende que as almas renascem indefinidamente para purificar-se de seus erros passados até que não mais precisem reencarnar, quando então passam a residir na eternidade. Compreende ainda que a morte, mero intervalo entre as existências terrenas, é o período em que as almas podem contemplar o conhecimento verdadeiro e ao menos vislumbrar o mundo perfeito das idéias, proposto pela teoria de Platão. Antes de regressarem à nova encarnação, porém, cabe às almas escolherem o que desejam experimentar entre uma infinidade de sortes ou modelos de vida, que lhes são apresentados por Láquesis, uma das três deusas do destino. Há vidas de rei, de guerreiro, de artista, de escravo etc., todas à disposição para que sejam tomadas conforme as necessidades compensatórias do futuro aprendizado.
As almas devem ainda escolher seu próximo sexo e local de nascimento, e se querem retornar feito mineral, vegetal, animal ou ser humano. Em seu caminho de volta, porém, elas atravessam vasta planície desértica, sob calor abrasador, que as força beber das águas de Lethé ("esquecimento" em grego), o rio da despreocupação. Quanto mais bebem, mais esquecem suas vidas anteriores, até que sejam encaminhadas ao local escolhido para o novo nascimento.
Platão se vale dessa metáfora (que até hoje influencia o kardecismo, o rosacrucionismo e várias outras correntes religiosas) para explicar como o conhecimento pode preexistir de modo latente em nossas almas, fadados que estamos a viver esquecidos de nosso caráter divino e das verdades puras contempladas.