quarta-feira, 30 de novembro de 2011
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
A Filosofia e a Bandeira do Brasil (Ou: "O símbolo e a coisa simbolizada")
Patria minha (Vinícius de Moraes)
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!
...............................................................................
Em 2002 a UNESCO instituiu o “Dia Mundial da Filosofia”. Foi decretado que na terceira quinta-feira do mês de novembro, de cada ano, a atividade filosófica seria homenageada. Neste ano (2009) o dia Mundial da Filosofia, dia 19, para nós brasileiros, coincidiu com o “Dia da Bandeira”. Até ai tudo bem, mas o que me chamou a atenção foi a maneira como alguns telejornais tupiniquins abordaram essa data comemorativa.
A TV Cultura exibiu uma reportagem sobre o “Dia da Filosofia”. O repórter perguntava às pessoas nos bares, praças, ruas, etc. o que era a filosofia. As respostas foram as mais lamentáveis possíveis. Quase a totalidade dos entrevistados se referiu à atividade filosófica com “máximas” e “jargões”. A filosofia foi apresentada como algo preconcebido, um produto pronto para ser consumido. É claro que a filosofia não é um “enlatado”, mas pode partir dele para ajudar o homem a compreender as coisas do cotidiano. Afinal, os “enlatados” também fazem parte da vida. Tudo porque a filosofia é um olhar incomum sobre as coisas comuns, por isso ela se afasta do “senso comum”. O filósofo é aquele sujeito que diante de um simples acontecimento, tenta compreendê-lo a partir da relação que ele possui com outros fatos que, aparentemente, são independentes, mas, se examinados acuradamente, se inter-relacionam. Ele é um artista que constrói a sua obra, olhando para o entorno dela.
Já no telejornal da Rede Globo, em ritmo “decrépito-ufanista” foi lembrado o “Dia da Bandeira”. Como ocorre todo ano, registraram lindas e inocentes crianças desenhando e pintando o símbolo nacional, numa imagem doce e angelical. Na rua, algumas pessoas diziam o óbvio e, em certos casos, se declaravam emocionadas, apesar de conseguirem, no máximo, balbuciar duas ou três palavras quando perguntadas sobre o significado da Bandeira do Brasil. De quebra, a reportagem mostrou alguns militares cultuando o símbolo em demonstração pública de respeito e adoração.
Apesar de reducionistas, se não fossem essas reportagens a Filosofia e a Bandeira do Brasil teriam passado despercebidas da maioria do povo brasileiro no dia instituído para as suas homenagens. Além da coincidência do dia comemorativo e do desprezo do povo brasileiro, o que a Filosofia e a Bandeira possuem em comum? Aparentemente nada. Para o senso comum são coisas totalmente dissociadas, sem relação alguma.
Mas, apesar da aparente dissonância que esses fenômenos possuem, estamos diante de uma excelente e rara oportunidade para demonstrar como a filosofia pode nos ajudar a compreender coisas corriqueiras. Tentarei, assim, demonstrar, com argumentação filosófica, a razão de a Bandeira, enquanto símbolo nacional, não suscitar, no imaginário do povo brasileiro, sentimentos patrióticos.
Iniciarei a nossa investigação das noções mais simples. A Bandeira do Brasil possui natureza simbólica, isto é, é algo posto no lugar de outra coisa, como uma metáfora. Ela representa um ser que está em outro lugar. A razão nos remete, pelo pensamento abstrato, à coisa simbolizada.
Esse símbolo (a Bandeira) representa a Pátria ou o sentimento patriótico de um povo. Mas a Pátria não é apenas um espaço físico ocupado por um determinado contingente humano e sob a tutela de um conjunto de leis. Esses são apenas os seus elementos objetivos. Do ponto de vista do sujeito, ela é constituída por elementos comuns que suscitam no indivíduo sentimentos de identidade com o COLETIVO. Esse imaginário é produzido pela ação de fatores comuns como a língua, valores, cultura, raça, religião, etc. Até o futebol e as telenovelas podem contribuir para a construção desse ideal. Mas, apesar de tudo, o sujeito pode ou não cultivar esse sentimento. Tudo depende da forma como ele se relaciona com a realidade.
Como a identidade com o coletivo não é coisa natural, é necessário que a educação a impinja no espírito humano. Mas, a sociedade brasileira, científica e capitalista, priorizou valores individualistas. A noção de felicidade ficou circunscrita ao ambiente privado. O prazer passou para o âmbito do pessoal. Tudo que é público não suscita interesse. No espaço gregário as coisas ruins acontecem: multas, impostos, violência e o caos da vida urbana. Somos educados para não nos interessar por tudo que seja coletivo. Vivemos para acumular bens que possam afastar a dor e assegurar a nossa satisfação ou dos entes queridos. Por isso não nos interessamos pela prosperidade da sociedade como um todo. Estudamos e trabalhamos para atender somente as nossas necessidades individuais.
Quando alguém tem os seus direitos vilipendiados na vida civil, não nos sentimos afetados. Somente nos mobilizamos quando somos diretamente atacados em nossos interesses. Empreendemos os nossos esforços para resolver problemas pontuais. Blindamos os nossos automóveis e nos “blindamos” em condomínios “fechados”, em shopping centers, etc. Até quando vamos à igreja, o fazemos objetivando a solução de problemas pessoais. O perdão, a cura ou a “vida eterna” são resultado de ações virtuosas e individuais. O “rebanho” não será salvo em conjunto.
A sociedade para qual trabalhamos está circunscrita aos “nossos”. A amizade não é pra qualquer um. Vivemos em altos edifícios, onde habitam centenas ou milhares de pessoas, mas, normalmente, não sabemos o nome do nosso vizinho do lado. Falamos com os nossos concidadãos burocraticamente. As “boas maneiras” expressam apenas a nossa adequação à vida em conjunto. Agimos como se as questões de interesse comum fossem responsabilidade de algum Deus (ou herói).
Essa aversão ao coletivo nos faz conceber a vida política como coisa para mal intencionados, mas não nos esforçamos em fiscalizar aqueles que tratam da coisa pública. Somente vamos à delegacia quando o ladrão nos tira algo pessoal. Os bens coletivos podem ser apropriados e expropriados por qualquer um, sem qualquer mobilização social. “O que pertence a todos não pertence a ninguém”. É como uma abstração. Nós apenas habitamos na Cidade, não nos sentimos responsáveis por ela. Estamos nela, mas não a queremos. Somos como estrangeiros em nosso próprio território.
Ora, como é possível, nesse contexto, o cultivo do Patriotismo se não temos interesse pelas coisas da cidade? Se tudo que é público nos causa infelicidade? Se a PÁTRIA, que é a expressão do coletivo em nós, não possui valor, como podemos nos importar com a sua principal representação simbólica? Nesse contexto, é compreensivo que qualquer homenagem ou culto à Bandeira não passe mera formalidade, posto que não exista símbolo sem coisa significada.
Eis a razão pela qual a bandeira do Brasil não possui valor simbólico para o povo brasileiro, que somente a lembra em raras ocasiões de manifestação burocrática de civismo, ou em pífias e ridículas reportagens que, por alguns minutos, a cada ano, nos lembram que 19 de novembro é o “Dia da Bandeira do Brasil”.
Assim, mesmo sem a pretensão de que este discurso seja verdadeiro, acredito ter demonstrado que a atividade filosófica pode nos ajudar a pensar a relação que estabelecemos com as coisas, mesmo as que desprezamos, como o nosso símbolo maior.
Salve a Filosofia e a Bandeira do Brasil!
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!
...............................................................................
Em 2002 a UNESCO instituiu o “Dia Mundial da Filosofia”. Foi decretado que na terceira quinta-feira do mês de novembro, de cada ano, a atividade filosófica seria homenageada. Neste ano (2009) o dia Mundial da Filosofia, dia 19, para nós brasileiros, coincidiu com o “Dia da Bandeira”. Até ai tudo bem, mas o que me chamou a atenção foi a maneira como alguns telejornais tupiniquins abordaram essa data comemorativa.
A TV Cultura exibiu uma reportagem sobre o “Dia da Filosofia”. O repórter perguntava às pessoas nos bares, praças, ruas, etc. o que era a filosofia. As respostas foram as mais lamentáveis possíveis. Quase a totalidade dos entrevistados se referiu à atividade filosófica com “máximas” e “jargões”. A filosofia foi apresentada como algo preconcebido, um produto pronto para ser consumido. É claro que a filosofia não é um “enlatado”, mas pode partir dele para ajudar o homem a compreender as coisas do cotidiano. Afinal, os “enlatados” também fazem parte da vida. Tudo porque a filosofia é um olhar incomum sobre as coisas comuns, por isso ela se afasta do “senso comum”. O filósofo é aquele sujeito que diante de um simples acontecimento, tenta compreendê-lo a partir da relação que ele possui com outros fatos que, aparentemente, são independentes, mas, se examinados acuradamente, se inter-relacionam. Ele é um artista que constrói a sua obra, olhando para o entorno dela.
Já no telejornal da Rede Globo, em ritmo “decrépito-ufanista” foi lembrado o “Dia da Bandeira”. Como ocorre todo ano, registraram lindas e inocentes crianças desenhando e pintando o símbolo nacional, numa imagem doce e angelical. Na rua, algumas pessoas diziam o óbvio e, em certos casos, se declaravam emocionadas, apesar de conseguirem, no máximo, balbuciar duas ou três palavras quando perguntadas sobre o significado da Bandeira do Brasil. De quebra, a reportagem mostrou alguns militares cultuando o símbolo em demonstração pública de respeito e adoração.
Apesar de reducionistas, se não fossem essas reportagens a Filosofia e a Bandeira do Brasil teriam passado despercebidas da maioria do povo brasileiro no dia instituído para as suas homenagens. Além da coincidência do dia comemorativo e do desprezo do povo brasileiro, o que a Filosofia e a Bandeira possuem em comum? Aparentemente nada. Para o senso comum são coisas totalmente dissociadas, sem relação alguma.
Mas, apesar da aparente dissonância que esses fenômenos possuem, estamos diante de uma excelente e rara oportunidade para demonstrar como a filosofia pode nos ajudar a compreender coisas corriqueiras. Tentarei, assim, demonstrar, com argumentação filosófica, a razão de a Bandeira, enquanto símbolo nacional, não suscitar, no imaginário do povo brasileiro, sentimentos patrióticos.
Iniciarei a nossa investigação das noções mais simples. A Bandeira do Brasil possui natureza simbólica, isto é, é algo posto no lugar de outra coisa, como uma metáfora. Ela representa um ser que está em outro lugar. A razão nos remete, pelo pensamento abstrato, à coisa simbolizada.
Esse símbolo (a Bandeira) representa a Pátria ou o sentimento patriótico de um povo. Mas a Pátria não é apenas um espaço físico ocupado por um determinado contingente humano e sob a tutela de um conjunto de leis. Esses são apenas os seus elementos objetivos. Do ponto de vista do sujeito, ela é constituída por elementos comuns que suscitam no indivíduo sentimentos de identidade com o COLETIVO. Esse imaginário é produzido pela ação de fatores comuns como a língua, valores, cultura, raça, religião, etc. Até o futebol e as telenovelas podem contribuir para a construção desse ideal. Mas, apesar de tudo, o sujeito pode ou não cultivar esse sentimento. Tudo depende da forma como ele se relaciona com a realidade.
Como a identidade com o coletivo não é coisa natural, é necessário que a educação a impinja no espírito humano. Mas, a sociedade brasileira, científica e capitalista, priorizou valores individualistas. A noção de felicidade ficou circunscrita ao ambiente privado. O prazer passou para o âmbito do pessoal. Tudo que é público não suscita interesse. No espaço gregário as coisas ruins acontecem: multas, impostos, violência e o caos da vida urbana. Somos educados para não nos interessar por tudo que seja coletivo. Vivemos para acumular bens que possam afastar a dor e assegurar a nossa satisfação ou dos entes queridos. Por isso não nos interessamos pela prosperidade da sociedade como um todo. Estudamos e trabalhamos para atender somente as nossas necessidades individuais.
Quando alguém tem os seus direitos vilipendiados na vida civil, não nos sentimos afetados. Somente nos mobilizamos quando somos diretamente atacados em nossos interesses. Empreendemos os nossos esforços para resolver problemas pontuais. Blindamos os nossos automóveis e nos “blindamos” em condomínios “fechados”, em shopping centers, etc. Até quando vamos à igreja, o fazemos objetivando a solução de problemas pessoais. O perdão, a cura ou a “vida eterna” são resultado de ações virtuosas e individuais. O “rebanho” não será salvo em conjunto.
A sociedade para qual trabalhamos está circunscrita aos “nossos”. A amizade não é pra qualquer um. Vivemos em altos edifícios, onde habitam centenas ou milhares de pessoas, mas, normalmente, não sabemos o nome do nosso vizinho do lado. Falamos com os nossos concidadãos burocraticamente. As “boas maneiras” expressam apenas a nossa adequação à vida em conjunto. Agimos como se as questões de interesse comum fossem responsabilidade de algum Deus (ou herói).
Essa aversão ao coletivo nos faz conceber a vida política como coisa para mal intencionados, mas não nos esforçamos em fiscalizar aqueles que tratam da coisa pública. Somente vamos à delegacia quando o ladrão nos tira algo pessoal. Os bens coletivos podem ser apropriados e expropriados por qualquer um, sem qualquer mobilização social. “O que pertence a todos não pertence a ninguém”. É como uma abstração. Nós apenas habitamos na Cidade, não nos sentimos responsáveis por ela. Estamos nela, mas não a queremos. Somos como estrangeiros em nosso próprio território.
Ora, como é possível, nesse contexto, o cultivo do Patriotismo se não temos interesse pelas coisas da cidade? Se tudo que é público nos causa infelicidade? Se a PÁTRIA, que é a expressão do coletivo em nós, não possui valor, como podemos nos importar com a sua principal representação simbólica? Nesse contexto, é compreensivo que qualquer homenagem ou culto à Bandeira não passe mera formalidade, posto que não exista símbolo sem coisa significada.
Eis a razão pela qual a bandeira do Brasil não possui valor simbólico para o povo brasileiro, que somente a lembra em raras ocasiões de manifestação burocrática de civismo, ou em pífias e ridículas reportagens que, por alguns minutos, a cada ano, nos lembram que 19 de novembro é o “Dia da Bandeira do Brasil”.
Assim, mesmo sem a pretensão de que este discurso seja verdadeiro, acredito ter demonstrado que a atividade filosófica pode nos ajudar a pensar a relação que estabelecemos com as coisas, mesmo as que desprezamos, como o nosso símbolo maior.
Salve a Filosofia e a Bandeira do Brasil!
Ressentimento (Walber Wolgrand)
Quando uma mulher diz que os homens,
Por se comportarem de certa maneira, “não prestam”,
Se referindo à infidelidade conjugal ou afetiva,
O faz como expressão da flagrante tentativa de esconder
Atrás do fantasma moral as suas frustrações,
Recalques, submissões, limitações diversas, etc.,
Sentindo-se, ao revés, diferente desses seres
Que, por sua natureza, são "condenáveis" e "dignos de piedade".
Denegrimos o outro para nos sentir superiores
Ou para esconder as nossas impossibilidades.
Por se comportarem de certa maneira, “não prestam”,
Se referindo à infidelidade conjugal ou afetiva,
O faz como expressão da flagrante tentativa de esconder
Atrás do fantasma moral as suas frustrações,
Recalques, submissões, limitações diversas, etc.,
Sentindo-se, ao revés, diferente desses seres
Que, por sua natureza, são "condenáveis" e "dignos de piedade".
Denegrimos o outro para nos sentir superiores
Ou para esconder as nossas impossibilidades.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
O meu amor (Walber Wolgrand)
Quando penso em ti,
Estou pensando em mim também.
Porque o belo e o feio, o justo e o injusto,
O bem e o mal, o sagrado e o profano
Não pertencem às coisas mesmas, mas a quem as contempla.
O meu amor não se realiza no outro,
Nem possui validade universal, como as proposições racionais.
Ele começa e acaba no mesmo lugar - no ser amante.
Posso até dizer que amo as pessoas belas,
As ações justas, os pensamentos lógicos,
Mas, ao dizer isso, nada digo sobre o objeto amado,
Porque não amamos pelo ou para o outro,
Mas para nós mesmos.
E ainda que as minhas carências sejam a causa de tudo,
E, eventualmente, gravitem em torno de ti,
Levando-me a pensar que és a causa desse inusitado sentimento,
Quando penso no meu amor não vejo um objeto específico,
Mesmo que a sua realização pressuponha a existência de outro ser.
Por isso não penso em ti como algo necessário,
Mas como o que permite que o amor brote em mim,
Enquanto simples ato de amar
Estou pensando em mim também.
Porque o belo e o feio, o justo e o injusto,
O bem e o mal, o sagrado e o profano
Não pertencem às coisas mesmas, mas a quem as contempla.
O meu amor não se realiza no outro,
Nem possui validade universal, como as proposições racionais.
Ele começa e acaba no mesmo lugar - no ser amante.
Posso até dizer que amo as pessoas belas,
As ações justas, os pensamentos lógicos,
Mas, ao dizer isso, nada digo sobre o objeto amado,
Porque não amamos pelo ou para o outro,
Mas para nós mesmos.
E ainda que as minhas carências sejam a causa de tudo,
E, eventualmente, gravitem em torno de ti,
Levando-me a pensar que és a causa desse inusitado sentimento,
Quando penso no meu amor não vejo um objeto específico,
Mesmo que a sua realização pressuponha a existência de outro ser.
Por isso não penso em ti como algo necessário,
Mas como o que permite que o amor brote em mim,
Enquanto simples ato de amar
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Platão e o conhecimento (Ou: "Conhecer é rememorar")
A suposta existência (Carlos Drummond de Andrade)
Como é o lugar
quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas
sem ser vistas?
O interior do apartamento desabitado,
a pinça esquecida na gaveta,
os eucaliptos à noite no caminho
três vezes deserto,
a formiga sob a terra no domingo,
os mortos, um minuto depois de sepultados,
nós, sozinhos no quarto sem espelho?
...................................................................
Para compreendermos o que é o conhecimento para Platão, é necessário, antes, analisarmos alguns elementos da sua ONTOLOGIA, isto é, da sua teoria sobre a realidade.
Lembremos que algumas posições, por vezes divergentes, sobre o que é o real, já haviam sido postas pelos filósofos Pré-Socráticos. Para Heráclito, por exemplo, o Ser é a mudança. Tudo está em constante movimento, logo a estaticidade ou a permanência do mundo é ilusória. Parmênides, ao revés, concebeu a transformação da realidade como irreal, pois, ao relacionar o Ser com o pensamento, o imaginou estático, uma vez que aquilo que está em permanente transformação é impensável, pois uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob as mesmas condições (Princípio da Identidade:"o que é, é; o que não é, não é" ou "A é A").
Para solucionar essa disjuntiva férrea Platão compatibilizou as posições desses filósofos, admitindo a existência de dois mundos: o SENSÍVEL, que é captado pelos órgãos da sensibilidade; e o INTELIGÍVEL, alcançável apenas pelo pensamento. Porém, admitiu que somente os seres que habitam o mundo inteligível seriam reais ou verdadeiros, na medida em que o conhecimento da realidade exige a existência de um PONTO FIXO, que não se altere, enquanto condição para o pensamento. Aos seres do mundo inteligível Platão chamou de IDEIAS, que seriam as verdadeiras entidades, sendo, inclusive, independentes do próprio homem. Elas seriam a inspiração para o grande artífice do mundo material, DEMIURGO, criar todos os seres que vivem no plano da sensibilidade, os quais não passariam de meras cópias.
As ideias seriam essências universais das quais decorrem a existência dos seres do mundo sensível, por isso mais verdadeiras que estes.
Para alcançar as essências universais seria preciso não confiar na sensibilidade e trabalhar no plano meramente intelectual, como condição "sine qua non" para apreender as ideias imutáveis do BEM, do BELO e do VERDADEIRO. Essa atividade seria própria do filósofo, enquanto alguém treinado para resistir às tentações do mundo sensível, tornando-se apto ao exercício teórico.
Platão descreveu o trajeto do filósofo em busca do conhecimento no “MITO DA CAVERNA”, alegoria que integra a Carta VII da obra “A REPÚBLICA”. Nesta metáfora o filósofo relata como o homem passa da DÓXA (opinião) ao nível da EPISTEME (ciência). Apesar de considerar todos os seres humanos, enquanto seres racionais, capazes de conhecimento por já trazermos em nossas mentes as idéias do BEM, do BELO e do VERDADEIRO, o filósofo entendeu que poucos se interessam em abandonar o plano dos prazeres sensíveis para alcançar o verdadeiro conhecimento, visto que a busca pelo saber implica no abandono às crenças sedimentadas pelo tempo no espírito humano (conforto do fundo da caverna). Segundo o filósofo, a maioria se compraz em permanecer no confortável mundo das opiniões, com o qual todos estão acostumados. É nesse ambiente de apatia epistemológica que aparecem aqueles que “formam as opiniões”, isto é, os demagogos.
Como a maioria dos homens vive em nível da dóxa (opinião) e não está acostumada a fazer uso da razão para se orientar, sendo movida por interesses e voltada para o que lhes agrada e atende às suas necessidades imediatas, vivendo por conveniência e desprezando o que as coisas são em si, torna-se presa fácil dos demagogos, daqueles que oferecem a ilusão como fundamento da existência. É neste ambiente que a visão sectária da realidade prospera.
Nesse contexto, o homem de conhecimento, que tenta apreender as coisas como são, objetivamente, fica em desvantagem com relação ao demagogo, na medida em que este, ao proceder em conformidade com os desejos das pessoas, consegue maior adesão às suas idéias. Por isso o prisioneiro que retorna a caverna com o objetivo de libertar os seus companheiros das ilusões do mundo sensível é hostilizado, agredido e morto.
Por isso o filósofo é uma exceção no contexto social. Como ele não age por interesse, mas por princípios, voltado para valores universais de beleza e justiça, poucos lhe dão ouvidos. Essa característica moral decorreria, segundo Platão, do fato de a alma humana, antes de incorporar, ter coabitado com as IDEIAS (formas ou essências perfeitas) e, após passar pelo processo traumático de incorporação, haver se esquecido do que contemplara. O filósofo seria aquele sujeito capaz de lembrar o que sua alma conhecera. Esse entendimento (teoria da reminiscência) está descrito no “MITO DE ER”, constante no livro X de “A República”, que podemos interpretar como a capacidade que o homem possui de elaborar pensamentos universais ao exercitar a atividade racional.
O certo é que, para Platão, esse nível de conhecimento (episteme) é prerrogativa de quem se dedica às atividades intelectuais. É preciso abandonar as impressões equívocas e sedutoras causadas pela sensibilidade para se conhecer a verdade. Embora todos os seres humanos queiram o BEM (os que praticam o mal o fazem por ignorância, pois acreditam que ele é o bem), o VERDADEIRO e o BELO, enquanto motivações universais para o agir humano neste mundo, nem todos estão aptos para alcançá-los. É nesse contexto que as tarefas de governar e educar as pessoas seriam próprias do filósofo, o único capaz de zelar pelo interesse comum da sociedade, posto que os demais, como os prisioneiros da caverna, estariam presos a interesses pessoais, egocêntricos e mesquinhos.
Somente quem é capaz de ultrapassar as determinações individuais e subjetivas e alcançar o BELO em si, o VERDADEIRO em si e o BEM em si seria capaz de governar com justiça. Essa é a razão que fez Platão identificar a figura do governante com a do filósofo.
Lembremos que algumas posições, por vezes divergentes, sobre o que é o real, já haviam sido postas pelos filósofos Pré-Socráticos. Para Heráclito, por exemplo, o Ser é a mudança. Tudo está em constante movimento, logo a estaticidade ou a permanência do mundo é ilusória. Parmênides, ao revés, concebeu a transformação da realidade como irreal, pois, ao relacionar o Ser com o pensamento, o imaginou estático, uma vez que aquilo que está em permanente transformação é impensável, pois uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob as mesmas condições (Princípio da Identidade:"o que é, é; o que não é, não é" ou "A é A").
Para solucionar essa disjuntiva férrea Platão compatibilizou as posições desses filósofos, admitindo a existência de dois mundos: o SENSÍVEL, que é captado pelos órgãos da sensibilidade; e o INTELIGÍVEL, alcançável apenas pelo pensamento. Porém, admitiu que somente os seres que habitam o mundo inteligível seriam reais ou verdadeiros, na medida em que o conhecimento da realidade exige a existência de um PONTO FIXO, que não se altere, enquanto condição para o pensamento. Aos seres do mundo inteligível Platão chamou de IDEIAS, que seriam as verdadeiras entidades, sendo, inclusive, independentes do próprio homem. Elas seriam a inspiração para o grande artífice do mundo material, DEMIURGO, criar todos os seres que vivem no plano da sensibilidade, os quais não passariam de meras cópias.
As ideias seriam essências universais das quais decorrem a existência dos seres do mundo sensível, por isso mais verdadeiras que estes.
Para alcançar as essências universais seria preciso não confiar na sensibilidade e trabalhar no plano meramente intelectual, como condição "sine qua non" para apreender as ideias imutáveis do BEM, do BELO e do VERDADEIRO. Essa atividade seria própria do filósofo, enquanto alguém treinado para resistir às tentações do mundo sensível, tornando-se apto ao exercício teórico.
Platão descreveu o trajeto do filósofo em busca do conhecimento no “MITO DA CAVERNA”, alegoria que integra a Carta VII da obra “A REPÚBLICA”. Nesta metáfora o filósofo relata como o homem passa da DÓXA (opinião) ao nível da EPISTEME (ciência). Apesar de considerar todos os seres humanos, enquanto seres racionais, capazes de conhecimento por já trazermos em nossas mentes as idéias do BEM, do BELO e do VERDADEIRO, o filósofo entendeu que poucos se interessam em abandonar o plano dos prazeres sensíveis para alcançar o verdadeiro conhecimento, visto que a busca pelo saber implica no abandono às crenças sedimentadas pelo tempo no espírito humano (conforto do fundo da caverna). Segundo o filósofo, a maioria se compraz em permanecer no confortável mundo das opiniões, com o qual todos estão acostumados. É nesse ambiente de apatia epistemológica que aparecem aqueles que “formam as opiniões”, isto é, os demagogos.
Como a maioria dos homens vive em nível da dóxa (opinião) e não está acostumada a fazer uso da razão para se orientar, sendo movida por interesses e voltada para o que lhes agrada e atende às suas necessidades imediatas, vivendo por conveniência e desprezando o que as coisas são em si, torna-se presa fácil dos demagogos, daqueles que oferecem a ilusão como fundamento da existência. É neste ambiente que a visão sectária da realidade prospera.
Nesse contexto, o homem de conhecimento, que tenta apreender as coisas como são, objetivamente, fica em desvantagem com relação ao demagogo, na medida em que este, ao proceder em conformidade com os desejos das pessoas, consegue maior adesão às suas idéias. Por isso o prisioneiro que retorna a caverna com o objetivo de libertar os seus companheiros das ilusões do mundo sensível é hostilizado, agredido e morto.
Por isso o filósofo é uma exceção no contexto social. Como ele não age por interesse, mas por princípios, voltado para valores universais de beleza e justiça, poucos lhe dão ouvidos. Essa característica moral decorreria, segundo Platão, do fato de a alma humana, antes de incorporar, ter coabitado com as IDEIAS (formas ou essências perfeitas) e, após passar pelo processo traumático de incorporação, haver se esquecido do que contemplara. O filósofo seria aquele sujeito capaz de lembrar o que sua alma conhecera. Esse entendimento (teoria da reminiscência) está descrito no “MITO DE ER”, constante no livro X de “A República”, que podemos interpretar como a capacidade que o homem possui de elaborar pensamentos universais ao exercitar a atividade racional.
O certo é que, para Platão, esse nível de conhecimento (episteme) é prerrogativa de quem se dedica às atividades intelectuais. É preciso abandonar as impressões equívocas e sedutoras causadas pela sensibilidade para se conhecer a verdade. Embora todos os seres humanos queiram o BEM (os que praticam o mal o fazem por ignorância, pois acreditam que ele é o bem), o VERDADEIRO e o BELO, enquanto motivações universais para o agir humano neste mundo, nem todos estão aptos para alcançá-los. É nesse contexto que as tarefas de governar e educar as pessoas seriam próprias do filósofo, o único capaz de zelar pelo interesse comum da sociedade, posto que os demais, como os prisioneiros da caverna, estariam presos a interesses pessoais, egocêntricos e mesquinhos.
Somente quem é capaz de ultrapassar as determinações individuais e subjetivas e alcançar o BELO em si, o VERDADEIRO em si e o BEM em si seria capaz de governar com justiça. Essa é a razão que fez Platão identificar a figura do governante com a do filósofo.
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