terça-feira, 2 de julho de 2013

O amor platônico (Ou "O amor não faz o amante, mas o sábio")


Em geral as pessoas falam em Amor Platônico, referindo-se, vagamente, a um sentimento no qual há ausência de interesses e gozos materiais, como um fenômeno de natureza estritamente espiritual. Com algum esforço e muita leniência essa definição pode ser aceita. A rigor, o Amor Platônico é muito mais que isso e, neste pequeno artigo, espero, de forma simples e sucinta, superar esse mal entendido.

Mas para compreendermos o nosso objeto precisamos, antes, dominar algumas noções da metafísica, psicologia e epistemologia platônicas.

Para o filósofo o mundo real não é este que captamos pelos sentidos, mas o que está no “mundo das ideias (ou das formas)”. Os entes verdadeiros que habitam nesse mundo somente podem ser conhecidos pela alma humana, posto que conviveu com eles antes de se aprisionar em um corpo.  A incorporação desvanece a  contemplação que ocorreu no mundo das formas, e para recuperá-la é necessário um esforço intelectual. Por isso Platão considera o conhecimento como reminiscência (lembrança). Mas, trazer à memória o que foi conhecido no mundo inteligível não é tarefa fácil, porque o corpo, sede das paixões e desejos, engana e dificulta a percepção direta dessas essências. Esta é a inglória tarefa do filósofo. 

Apesar de tudo, a alma humana, mesmo quando habita um corpo, aspira por essa contemplação originária que realizara no mundo das ideias. Por isso há uma espécie de tendência ou inclinação do homem pelas coisas verdadeiras, isto é, pelas coisas em si (BEM, JUSTIÇA, BELEZA, etc.), capazes de conduzí-lo à felicidade. Para tanto, é preciso elevar-se deste para o mundo supra-sensível.

É assim que EROS constitui a força mediadora entre o sensível e o inteligível, num movimento que a alma realiza com vistas à ligação originária com o mundo das idéias. E o verdadeiro amante, para percorrer esse caminho que nos afasta do corpo e nos leva à percepção das coisas em si, precisa, no sentido epistemológico (do conhecimento), ser VIRTUOSO, ou seja, precisa ter espírito filosófico.   

Mas isso não quer dizer que Platão despreze o amor físico, como muitos incautos pensam. Ele apenas o considera num nível inferior de manifestação da alma. Amamos o que é sensível porque este plano, enquanto cópia, nos remete à perfeição que existe no mundo das ideias, constituindo um caminho para atingir aquele plano superior de existência. Um belo corpo, por exemplo, participa da ideia de beleza em si, que somente existe no supra-sensível. 

Um nível mais elevado de relação amorosa ocorre quando o homem se relaciona com os seres que são diretamente intuídos pelo espírito, como as ideias de justiça, lei, ciência, etc. Convém lembrar que no "mundo das ideias" também existem as formas perfeitas de coisas não tangíveis. Esses seres igualmente nos remetem aos seus correspondentes verdadeiros, porém com mais eficiência que os objetos da sensibilidade, visto que não são suscetíveis às influências negativas do corpo.

No cume da escala da relação amorosa está o amor pelas COISAS EM SI, que não são provenientes do espírito nem do corpo, mas que estão no mundo das ideias como entidades objetivas. Este é um tipo de amor quase divino. A alma o experimenta quando se desliga totalmente do corpo. Por isso sua realização é própria dos homens capazes de ascender, pelo exercício da dialética, ao mundo das ideias. É uma realização tão elevada e difícil que Platão a considera como um apanágio dos deuses.

Eis que o amor platônico é uma espécie de NOSTALGIA DO ABSOLUTO, desejo de perfeição, tensão mediadora que torna possível a elevação do sensível ao supra-sensível, força que tenta conquistar a dimensão do divino. Em contrapartida, e em sentido oposto, o Amor Cristão (ágape) é DESCIDA de Deus em direção dos homens. Não é conquista, mas dom. Não é algo motivado pelo valor do objeto ao qual se dirige, mas, ao contrário, algo espontâneo e gratuito.

Para os gregos é o homem quem ama, não Deus. Para os cristãos é, sobretudo, Deus que ama: o homem somente pode amar na dimensão do novo amor realizando uma revolução interior radical e assemelhando o seu comportamento ao de Deus.

Pela gratuidade e ilimitude que o amor cristão expressa não há diferença alguma entre amar um ladrão ou uma pessoa honesta, posto que devemos “amar o próximo como a nós mesmos” para nos aproximarmos do propósito moral cristão. Essa é a realização extraordinária que este tipo de amor impingiu à cultura ocidental, visto existir uma desproporção flagrante entre o dom e o beneficiário dele. O perdão e a misericórdia são os principais componentes dessa revolucionária forma de existir no mundo.

De Adão e Eva à Genoíno e José Dirceu, todos os seres humanos são filhos de Deus e dignos do seu amor, afinal, é a imperfeição humana que nos faz amantes. É preciso, pois, ser VIRTUOSO para vivenciá-lo. No sentido platônico, conhecendo a verdade; no cristão, perdoando os pecados alheios.                              

Um comentário:

  1. O amor platônico e o cristão tendem à virtude; aquele se dirige ao conhecimento; este à misericórdia

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