terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O pecado está dentro de nós. (ou ”A moral da intenção”)


Depois de criar o céu e a terra, os animais, as plantas e tudo mais em perfeita harmonia, Deus resolveu criar o homem à sua imagem e semelhança. Colocou Adão e Eva no paraíso. Deu-lhes uma vida confortável. Mas, apesar dos incomensuráveis favores divinos, eles, voluntariamente, desobedeceram à ordem do Criador de não colher o fruto da árvore do bem e do mal. Como resultado da desobediência originária, as criaturas foram acometidas de toda sorte de sofrimentos, para si e seus descendentes, inclusive com a possível condenação ao inferno.

Mas por que uma simples inobservância à restrição divina gerou conseqüências tão cruéis a Adão, Eva e toda a humanidade? Deus com seu infinito saber não poderia prever que a sua criatura lhe desobedeceria?

Em primeiro lugar não podemos interpretar o texto religioso como um tratado de lógica. Não faria sentido. A religião não está no âmbito do certo ou do errado. O discurso religioso é construído por metáforas, parábolas ou alegorias com propósitos meramente morais, isto é, possui a finalidade de orientar o homem a como proceder nesta ou naquela situação. São artifícios pedagógicos. O que não impede alguns espertalhões de o considerarem (o discurso) com valor histórico, dando-lhe contorno de misticismo. Com isso prometem curas e milagres somente admitidos por pessoas que não possuem uma visão sistêmica da religião.

Depois, a noção de pecado (como a pensamos hoje), embora tenha o seu fundamento no texto bíblico, funcionou mais ainda a partir das definições elaboradas pelos grandes filósofos da Idade Média. Santo Agostinho a circunscreveu, com implicações legalistas e jurídicas, como “toda ação, palavra ou cobiça contra a lei eterna”. A inobservância à lei desvia o homem de Deus e o arrependimento funcionaria como a conduta inversa. Tomás e Aquino, seguindo a mesma linha, acrescentou à noção agostiniana os erros por omissão.

Para justificar a transgressão inicial, os teóricos da igreja introduziram o conceito de “livre arbítrio” com o qual o homem passou a ser responsável por seus atos. Instaura-se assim no ocidente o medo como um estado subjetivo de quem transgride a lei divina (de quem peca) e, consequentemente, não está apto à salvação. Para o cristão, a própria consciência é o seu algoz. Surge a moral da intenção amparada por uma culpabilização intensiva. Institui-se a má consciência.

A punição que era exterior, no judaísmo, aplicada por um Deus pai e criador – um Deus forte e justo, mas austero -; agora, no Cristianismo, é interior, aplicada pelo próprio sujeito, posto que o Deus cristão – embora pai e criador como o do Velho testamento – é mais amoroso, pune menos e é compreensivo.

Quais as conseqüências para o homem ocidental, a partir das mudanças introduzidas pelo Cristianismo, com a transferência da culpa e da punição para o interior do sujeito?

Antes de qualquer coisa analisemos a doutrina instituída por Jesus Cristo. O que faz Jesus? Institui uma coisa inteiramente nova. No lugar de defender a punição aos transgressores da Lei, ele canaliza para si a responsabilidade e prega o perdão, o amor, a amizade. E o mais inusitado é que esses sentimentos devem ser sinceros e promover um comportamento amistoso, principalmente com relação aos nossos inimigos. Não devemos revidar as agressões, mas dar a outra face. “Que absurdo!” poderíamos dizer. Mas, apesar de toda estranheza, essa forma de pensar “contaminou”, no sentido moral, todo o ocidente.

É claro que do ponto de vista prático o pensamento cristão ainda não vingou. Ainda somos muito egoístas e pouco amigos com relação ao próximo – lembremos da parábola do bom samaritano -, mas indubitavelmente funciona como um ideal quando pensamos e avaliamos a conduta humana, inclusive a nossa. Quando pensamos em uma sociedade pacífica e humana (que o digam os militantes em Direitos Humanos), o fazemos - mesmo para quem não professa a religião - de acordo com a doutrina cristã, tal a maneira com que esse pensamento se imiscuiu em nossa cultura.

A noção de pecado, desobediência e transgressão são institutos da religião judaico-cristã, mas a maneira de punir foi se modificando com o passar do tempo. Do “olho por olho” passamos para algo mais brando. Vamos assim construindo uma sociedade paradoxal, inspirada em ideais de “amor ao próximo”, mas que se realiza, nos "calabouços" do espírito humano, com a mesma crueldade de outrora.

Hoje, até quando não fazemos nada para mudar algo que reconhecemos como impróprio à condição humana, nos ressentimos pela omissão e nos sentimos culpados. E mesmo que seja somente em pensamento, nos punimos por não agir solidariamente em favor daqueles que não tiveram a nossa atenção, ou até fingimos não ver. Fingimos para que a má consciência não nos puma mais do que podemos suportar.

Esse não é apenas o paradoxo humano, mas a inevitável hipocrisia que a nossa cultura nos impõe.

P.S. – Como exemplo dessa forma de pensar a conduta humana instituída pelo cristianismo, temos o BBB, da Globo. Não queremos ser idiotas, caubóis, empregados domésticos, gays, etc.; nem fazemos algo para melhorar a vida dessas pessoas. Mas para contrabalançar essa disfarçada discriminação e repulsa votamos neles e nos sentimos felizes (e aliviados) quando logram êxito no programa.

4 comentários:

  1. Luiz Mário de Melo e Silva24 de janeiro de 2012 às 09:33

    A opção de cristo histórico foi pelos miseráveis, prostitutas etc., no sentido de acabar com a situação em que se encontravam. É tanto que ele se opunha ferrenhamente aos poderosos, sobretudo ao império romano e seus asseclas, para os quais nunca seu curvou. Os cristãos atuais praticam o mesmo exemplo ou fazem o contrário de seu líder?

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  2. Só tem um problema.... e eu que nao era evangelico, fui curado, meu filho curado, meu tio curado de cancer, coisas impossiveis e definidas mudaram apos campanha de oração... desculpe eu tentei ser lógico e cientificista mas ai eu li as viagens escritas por filosofos, tentando explicar a mente humana e pensei... prefiro continuar sendo feliz

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    1. Luiz Mário de Melo e Silva9 de março de 2012 às 12:37

      Sendo anônimo e, portanto, metafísico tudo é possível. Inclusive homem engravidar, deglutir de uma colherada só uma montanha. O anonimato permite até ser feliz...

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    2. Quem nunca teve experiências com jesus cristo,não podem falar nada e principalmente usando conhecimentos filosóficos para provar que cristo não foi o que a biblia diz que foi,a mente humana não pode curar ninguem e nem fazer milagre, pois se podesse os hospitais não existiriam filosófias tudo baléla eu fico com a Biblia que é um manual de regra de fé e viver,Daniel ja previu tudo isso que estão falando veja:

      E naquele tempo se levantará Miguel, o grande príncipe, que se levanta a favor dos filhos do teu povo, e haverá um tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo; mas naquele tempo livrar-se-á o teu povo, todo aquele que for achado escrito no livro.
      E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno.
      Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos ensinam a justiça, como as estrelas sempre e eternamente.
      E tu, Daniel, encerra estas palavras e sela este livro, até ao fim do tempo; muitos correrão de uma parte para outra, e o (conhecimento) se multiplicará.

      Daniel 12:1-4

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