quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Belém, 396 anos: a política do “pão e circo” (ou “O coliseu marajoara”)


Os diversos reinos e impérios criados pelo homem são admiráveis por diversos aspectos, mas nenhum, em toda história da humanidade, foi ao mesmo tempo poderoso, duradouro, extenso e influente quanto o Império Romano. Com superioridade militar, riqueza cultural e boa dose de oportunismo, sua hegemonia foi tão incontestável que parecia que ia durar para sempre.

Se Atenas nos legou a filosofia; Alexandria, a ciência (em especial a medicina); Roma, pelo seu caráter conquistador, desenvolveu sofisticado sistema jurídico (ainda hoje os cursos jurídicos pátrios possuem em seus currículos uma abordagem do direito romano). Era preciso organizar a vida pública para manter o poder, principalmente nas áreas conquistadas. Podemos imaginar que não foi tarefa fácil, naquela época, controlar diversos povos se rebelando simultaneamente, contando apenas com a força bélica. Nesse contexto, é inegável a grande habilidade dos romanos com a política, fazendo-os capaz de manter as rédeas do Império por tanto tempo. Tudo indica que os “benefícios” que propiciaram aos dominados superaram claramente as desvantagens. As elites governantes locais eram manipuladas para que mantivessem o povo das áreas conquistadas sob controle.

Um componente expressivo da estratégia política romana era a realização de grandes shows em anfiteatros abertos, onde pessoas e animais, literalmente, se digladiavam. A arena mais famosa, localizada em Roma, era chamada de COLISEU, com uma capacidade de, aproximadamente, 50 mil pessoas. Tornou-se, assim, um emblemático símbolo romano.

Na Roma Republicana, até 63 a.C, figuras públicas rivais, em busca de popularidade, patrocinavam as mais estrambóticas e sangrentas apresentações, com o claro propósito de obter votos. Com o advento do Império os eventos se expandiram e passaram a durar o dia inteiro. Animais desconhecidos do grande público eram importados das áreas conquistadas para conferir maior glamour ao acontecimento. O Coliseu era o local onde o imperador demonstrava toda a sua força ao povo, mas também era o lugar onde a população celebrava a glória do Império e o orgulho de integrá-lo.

No Coliseu as arquibancadas eram preenchidas hierarquicamente. Os ricos e poderosos ocupavam os bancos da frente; e a massa, as fileiras mais altas. O funcionamento do espetáculo simbolizava a maneira como a sociedade se organizava. Por meio dos grandes combates se exercia o controle social, evidenciando-se, nas entrelinhas, que somente à elite caberia um papel ativo dento dessa sociedade. Era a estratégia conhecida como “PÃO e CIRCO”, ou seja, enquanto o povo estivesse ocupado assistindo aos combates, fecharia os olhos para a corrupção e não se preocuparia com outras coisas.

Se não tivesse utilizado neste artigo conceitos como IMPÉRIO, GLADIADOR, COLISEU, COMBATES SANGRENTOS, etc. qualquer leitor desatento juraria que estava retratando rigorosamente o funcionamento da nossa Belém contemporânea. Se na Roma antiga tivesse o “registro de marcas e patentes”, não tenho dúvida que Duciomar, Helder Barbalho e outros seriam devidamente processados por plágio.

No lugar do Coliseu, temos a Aldeia Cabana, o Hangar e a Arterial 18. Substituindo as feras importadas e os gladiadores, se apresentam Ivete Sangalo, Fafá de Belém, Gaby Amarantos, Pinduca, Arraial do Pavulagem, Mestre Curica. etc. Hoje, como na antiguidade, os governantes patrocinam os espetáculos, com o dinheiro do povo, é claro. Enquanto isso o PSM pede socorro; a Santa Casa de Misericórdia, misericórdia; as obras públicas, um cronograma que seja respeitado; e os atos administrativos, transparência.

Compondo o pirotécnico cenário, os membros do MP e tribunais de Contas - como os cônsules da Roma imperial -, são meras figuras decorativas, sem as quais as coisas ficam "tais e quais". Já os parlamentares da terra do asfalto e do açaí são a "imagem e semelhança" do Senado corrupto da Roma republicana. Por fim, o povo - como um ser "a-histórico" - encena o imutável papel de EXPECTADOR do grande evento.

São acontecimentos que, apesar da distância no tempo e no espaço, fortalecem a crença - própria da modernidade – de que existe uma “NATUREZA HUMANA”, e como tal, propícia ao controle e dominação. Sem esse traço psicológico, nenhum império romano ou marajoara alcançaria tamanho sucesso na arte de manipular os seus integrantes. Em outras palavras, os espertalhões de hoje e de ontem são beneficiados pela inefável capacidade humana de intuir a realidade como um grande espetáculo.

2 comentários:

  1. Luiz Mário de Melo e Silva19 de janeiro de 2012 às 09:05

    Caro professor; faltou incluir em meio a toda essa papagaiada o círio de nazaré que é, segundo penso, a usina que realimenta permanentemente o inconsciente coletivo para a prática da veneração da elite como o eterno centro do mundo. A festa "democrática" da eleição é outro mecanismo de manipulação. O pão e circo tem essa finalidade...

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  2. Luiz Mário de Melo e Silva21 de janeiro de 2012 às 08:02

    Por que Belém é o que é? Porque duas forças ou correntes de pensamento atuam fortemente para manter o status quo. Essas forças são o capitalismo e a religião que, entrelaçadas, mantêm o tal coliseu a que se referes. O ápice dessa relação de dominação ocorre por ocasião do círio, onde a "virgem" vai ao encontro, levando sua bênção, de quem a "apeou do centro do poder", no caso, a burguesia capitalista que tomou o lugar da a igreja, pois ao abençoar os bancos e as empresas em suas peregrinações a "santa" e seus administradores comentem o maior crime de lesa-humanidade, tentando manter todos na ignorância - algo que só acontece por não haver uma filosofia, uma ciência, uma consciência original nesta região, em especial Belém.

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