domingo, 18 de dezembro de 2011

A Estado na prática é uma teoria (ou “O poder é UNO”)


Os filósofos Hobbes e Rousseau ao tentarem fundamentar a instituição do Estado Civil Moderno, em contraposição ao Estado Absoluto (“legitimado por Deus”), especularam, cada um a seu modo, sobre um momento em que a humanidade teria vivido sem a tutela de um poder central unificador: o estado de natureza. Nesse momento o homem gozaria, dentre outras coisas, da liberdade natural, cujo exercício tornaria a vida humana instável, curta, bruta e insegura. Para superar essas dificuldades os seres humanos teriam inferido – pelo uso da razão – a necessidade de firmar, entre si, um grande pacto, transferindo o poder individual que dispunham a um ente abstrato (e superior) capaz de organizar a vida gregária e garantir a obtenção e preservação do bem maior: a paz.

A vida ordenada e pacífica seria o fim último dessa magistral criação humana e somente faria sentido a sua manutenção enquanto pudesse garantir aos seus jurisdicionados esses bens, sendo teoricamente possível a ruptura do grande pacto social em caso de inobservância dos termos contratuais. Isso porque o poder não mais adviria de Deus, mas do próprio homem, logo quem quer o recebesse deveria exercê-lo em prol de quem o delegou, seja num regime monárquico, oligárquico ou democrático.

Mas se o Estado é um ente abstrato (fruto da imaginação humana) ele precisaria da ajuda do seu criador para realizar os seus objetivos. Logo, quem garantiria que ele não seria apenas um instrumento para uma nova forma de exercício arbitrário do poder? Para minimizar esse dilema outro grande pensador político da modernidade, Montesquieu, imaginou a necessidade de o Poder Estatal ser exercido de forma tripartida. Inferiu que a administração centralizada poderia concorrer para o retorno ao Estado absoluto de outrora. Concebeu, assim, a divisão do Estado em Legislativo, Executivo e Judiciário. Como a "Santíssima Trindade", o Estado Moderno é Uno e Trino ao mesmo tempo. Mas como compreender isso? Na religião a compreensão não é necessária, a confiança basta. Mas quando a criação é humana, a justificativa se faz imperiosa. Para explicar esse acontecimento podemos utilizar um único conceito: a IMPESSOALIDADE. Era preciso despersonalizar o Estado e, para tanto, dividi-lo. É como uma luta contra um inimigo qualquer: convém dividi-lo para melhor dominá-lo. O mais inusitado é que as partes não estariam submetidas umas às outras, mas, paradoxalmente, estariam no mesmo nível de poder, condição “sine qua non” para se fiscalizarem mutuamente e impedirem a supremacia de uma única instância de poder. Nisto a solução montesquiana parecia teoricamente válida, pois somente um poder que esteja no mesmo nível pode limitar outro. Mas como realizar isso na prática?

Por outro lado, nunca é demais lembrar que o Estado, moderno ou não, foi concebido pelo homem, logo não seria imprudente asseverar que ele objetiva atender a um propósito eminentemente humano. Além do mais, os filósofos que o conceberam, por serem herdeiros da tradição metafísica, o pensaram de forma idealizada, desconsiderando muitas variantes que o compõe ou que a ele estão agregadas. Imaginaram um Estado capaz de impor limites ao egoísmo natural, mas nada falaram sobre a possibilidade desse grande monstro ser domesticado e adestrado para atender aos interesses pessoais daqueles que o controlam.

Quem mais se aproximou dessa linha de raciocínio foi o filósofo francês Etiene de La Boétie, o qual, embora tenha vivido no século XVI, preconizou que um novo modelo de Estado em nada se diferiria do anterior (absoluto). La Boétie, ao falar do poder estatal absoluto (Discurso da servidão Voluntária), desviou o foco das especulações para o homem. Disse que, na busca e manutenção de bens materiais e poder político, o homem prefere se aliar com o seu pretenso adversário que combatê-lo, porque se beneficia mais com os acordos que com os conflitos necessários ao equilíbrio no exercício do poder. Em outras palavras, reconheceu que no mundo humano o individual se sobrepõe ao coletivo. Por isso é mantida uma estrutura de poder que teoricamente poderia ser facilmente destruída, mas que é preservada pela conveniência que enceta aos que exercem o poder, nos diversos níveis, e são beneficiados.

Como exemplo categórico de que o Estado Moderno está longe de atender ao propósito pelo qual foi instituído, temos o emblemático caso da "Res-pública democrática brasileira". No Brasil, os poderes, em vez de se auto-limitarem, como imaginou Monstequieu, se promiscuem. A Administração (o Executivo) nomeia os Magistrados dos graus mais elevados, logo é compreensível que desses obtenha incontidos favores. Também concede cargos e financia obras para os Legisladores em troca de leis convenientes aos seus propósitos, nem sempre honestos e voltados ao bem geral. Por sua vez os julgadores, prevalecendo-se da falta de objetividade do direito, julgam as demandas ao sabor de seus interesses, garantindo prerrogativas que, guardadas as devidas proporções, em nada ficam a dever aos déspotas medievais. Ainda se prevalecem do famoso jargão ideológico: “Decisão judicial não se discute, cumpre-se”. Por outro lado os nossos Legisladores de plantão agem como verdadeiros comerciantes: vendem o seu produto para quem lhes pagar melhor. Esse movimento, cíclico e permanente, caracteriza o “modus operandi” do exercício do Poder Estatal brasileiro, demonstrando o quão ingênuos foram os filósofos contratualistas.

Diante da indiscutível dificuldade de operar o modelo metafísico do Estado Moderno no Brasil, fez-se um ajuste providencial, criou-se o redundante Ministério Público, com a responsabilidade de ser o guardião da ordem jurídica. Ora, qual a necessidade de criar um ser incumbido de fazer aquilo que as instâncias superiores (Executivo, Judiciário e Legislativo) já o são? E o que é mais estranho: com total dependência e poderes inferiores aos dos seus parentes mais ilustres.

Depreende-se da estrutura de compadrio da Res-pública Brasileira que o Estado é novo, mas o homem ainda é o mesmo egoísta de sempre. E que, no fundo, a razão apenas criara uma forma nova de exercício do mesmo poder arbitrário de outrora, agora escamoteado e legitimado sob o manto do “BEM COMUM”. Mas, para os incautos cidadãos brasileiros, vivemos numa “República Democrática de Direito”.

Tenho a impressão que os filósofos contratualistas ao especularem sobre um tipo de exercício do poder dentro de certos limites, em contraposição às formas abolutas de governo, não consideraram que o Estado, seja qual for a sua forma ou modalidade, é apenas um instrumento para o homem realizar o seu intrínseco desejo de dominar os outros humanos. Por isso, criou-se apenas novos instrumentos para velhos propósitos, ou seja, efetivamente um corpo político com vsitas ao bem comum jamais existiu e jamais existirá, porque o Estado, democrático ou não, na prática é uma teoria.

Um comentário:

  1. Luiz Mário de Melo e Silva21 de dezembro de 2011 às 10:27

    O sistema econômico dominante, ou seja, o capitalismo, reduziu unicamente o ser humano à condição de ser insaciável e assim aguçou e aguça permanentemente essa condição com o objetivo de mantê-lo em disputa por consumo, logo, produção; logo, sempre mais lucro.
    Ocorre que o ser humano apresenta-se em três fases distintas em sua existência, que são: infância, adulta e velhice, onde na faixa intermediária (adulta) é que se acentua a condição de insaciável, pois nela, o ser humano pode despender de total esforço físico/intelectual para a produção geral de bens comuns a todos.
    Portanto, nessa fase o ser humano tende a ser “robotizado” para servir ao sistema dominante. Foi assim em outras épocas; porém, atualmente o capitalismo se serve da ciência, agora tutelada por ele após ser aliada no combate ao poder da igreja medieval, para alcançar seu fim, que é o lucro a todo custo.
    A máxima de que o ser humano é “egoísta, frio e calculista” demonstra que ela só pode ser usada com toda intensidade na faixa intermediaria descrita; e para “fazer valer sua imposição” os capitalistas fragmentam e reduzem todo conhecimento que possa servi-lo, isto quando vindo de seus críticos, pois há aqueles que a serviço têm a maior satisfação de atuarem como seus intelectuais/teóricos.
    Enfim, o sistema capitalista reduz todos a algo insaciável, levando às raias da loucura. E, sendo assim, nem a morte seria capaz da saciar a fome de consumo...Com o beneplácito do Estado.

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