segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O pensamento ético de Sartre (Ou: "O homem está condenado à liberdade")




Ritual (Cazuza)

"Ao mesmo Deus que ensina a prazo
Ao mais esperto e ao mais otário
Que o amor na prática é sempre ao contrário
Que o amor na prática é sempre ao contrário"


A partir do século XVII o interesse pelas coisas humanas marcou o pensamento filosófico. Porém essa tradição partiu do pressuposto de que existem traços comuns na composição do homem, capazes de justificar a crença numa essência ou natureza humana. Descartes, por exemplo, teve como ponto de partida para a sua elaboração teórica a SUBJETIVIDADE, daí ter dito a famosa frase: “Penso, logo sou”. A característica principal do ser humano seria o pensamento. O homem é um ser pensante e racional.

Partindo desse pressuposto, o conhecimento residiria no espírito humano. Ele começa pela essência e por aí vai. O homem teria uma essência pensante. Surge, assim, um ambiente em que o pensamento vai ser extremamente valorizado como o principal ingrediente humano.

Sartre também é um humanista, mas ele inverte a lógica que preponderou no pensamento moderno. Inspirado no pensamento de Kierkegaard, Heidegeer e Jaspers parte do entendimento de que a EXISTÊNCIA precede a ESSÊNCIA, pois nada define o homem antes dele existir. A existência humana é o dado primordial, pois ela não se reduz a qualquer determinação prévia, mas de modo contingente (não necessário), pois não há razão que a explique.

Para o filósofo não se pode falar em “natureza humana”, posto que seja no processo de existência que o homem se define, logo a constituição do seu ser depende dele próprio. “O homem será aquilo que fizer dele próprio”.

E nesse contexto que no centro do pensamento de Sartre está a LIBERDADE. Com a frase: “A existência precede a essência”, Sartre quer mostrar o que distingue a existência humana da existência dos outros seres naturais. Se a essência não está dada, ela se define a partir das escolhas que cada um faz. Esta escolha resulta num valor que é UNO, mas é também UNIVERSAL porque expressa que toda a humanidade, além das outras possibilidades, passou a ter mais esse caminho proveniente de uma escolha individual.

Mas a existência em Sartre não é abstrata ou metafísica, mas numa dada situação. Isso implica que o exercício da liberdade será sempre limitado pelo contexto em que o homem se encontra (liberdade situada). Daí a afirmação do filósofo de que “O INFERNO SÃO OS OUTROS”, já que é no exercício da liberdade pelo outro que encontramos os limites da nossa. Estar no mundo é viver nesse regime de intersubjetividade, pois vivemos para nós e para os outros. As liberdades se cruzam, pois há diferentes projetos existenciais e históricos.

O sujeito livre é sempre um sujeito histórico. O filósofo não ignora que a história determina o homem, mas reconhece que ele também a faz. Entre o sujeito e as condições históricas e sociais do ambiente em que ele vive existe uma tensão (relação dialética) que se consubstancia na experiência humana.

Há, portanto, uma dependência entre liberdade e responsabilidade que é central na abordagem sartriana. Todos os atos humanos, no sentido rigoroso da palavra, são atos livres, isso significa que quem os pratica é totalmente responsável por eles. A condição de humanidade, no sentido pleno, envolve liberdade de escolher e assumir a responsabilidade por tal escolha.

O homem, ao se reconhecer como único responsável pelos seus atos, se ANGUSTIA. Este sentimento gera um tormento que faz com que muitas pessoas se deixam levar pelos acontecimentos. Mas deixar-se levar pelas circunstâncias também é, segundo Sartre, uma escolha, assim como se submeter à autoridade de alguém. Não há argumentos capazes de eximir alguém das escolhas que faz. A angústia existe porque a responsabilidade dos atos é sempre INDIVIDUAL e SOLITÁRIA. Mesmo quando conversamos com alguém sobre o melhor caminho a seguir, numa situação difícil, em última instância, a decisão tomada será sempre de nossa inteira responsabilidade.

Outro aspecto que torna as decisões mais difíceis é que a escolha individual deve, segundo Sartre, considerar a repercussão do ato para toda a humanidade. A responsabilidade exige que o que eu escolho para mim seja considerado uma escolha legítima para qualquer outra pessoa. Se decido mentir e enganar alguém, devo admitir que qualquer um tem o direito de mentir para mim e me enganar. Quando faço uma escolha para mim estou fazendo também para toda a humanidade. A liberdade, portanto, não é cada um fazer o que bem entende sem pensar nos outros. Divergindo dos marxistas, Sartre considerava que uma dialética autêntica não pode subordinar a consciência subjetiva às determinações objetivas da história. Neste caso, estaríamos trabalhando com relações de causalidade próprias da filosofia analítica.

Enfatizando que a história é feita por pessoas de carne e osso e não por sujeitos abstratos, Sartre considerava que mesmo diante das circunstâncias históricas mais adversas as pessoas fazem escolhas. O problema é que o homem aspira por uma essência, uma IDENTIDADE, enquanto desejo para além de toda existência. É nesse contexto de incompletude que o homem se constitui. Assim, existir é fazer-se neste mundo (que é humano), posto que ele “ESTÁ CONDENADO À LIBERADE”.

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